Os acordos à direita que permitiram colocar um ponto final nos 24 anos de governação socialista – e em especial a inclusão do Chega – têm sido o principal foco de discussão na sequência das eleições regionais no arquipélago, mas há mais alguns aspectos relevantes a considerar a partir do que aconteceu nos Açores. Com a ressalva de que extrapolar a partir de eleições locais ou regionais é sempre um exercício arriscado, as eleições regionais nos Açores deixam algumas lições que podem ser pelo menos sinais objectivos a ter em conta também a nível nacional, procurando ir além da espuma dos dias e de polémicas estéreis.

Em primeiro lugar, comprovou-se que a disputa eleitoral à direita do PS não é necessariamente um jogo de soma nula. Aliás, muito pelo contrário: o PSD cresce quase 3 pontos percentuais nas mesmas eleições em que Chega e Iniciativa Liberal se estreiam com votações de, respectivamente, 5 e 2 pontos percentuais. Os novos partidos à direita parecem ter somado eleitorado para esse espaço político, em vez de meramente o terem dispersado.

Em segundo lugar, e mesmo não havendo dados seguros sobre esta questão, há boas razões para crer que tanto PSD como Chega captaram eleitorado que em eleições anteriores votou à esquerda. Não será aliás por acaso que o melhor resultado do Chega (9% no círculo de S. Jorge) é conseguido apresentando como cabeça de lista Adroaldo Mendonça, um autarca que havia sido anteriormente eleito pelo… Partido Socialista.

Em terceiro lugar, a (relativa) afirmação eleitoral do Chega não implica necessariamente a extinção do CDS. É verdade que o CDS foi o único partido à direita a reduzir a sua votação mas a perda foi ainda assim relativamente moderada, permitindo aliás ao partido continuar a ser a terceira força política nos Açores. Não obstante a contestação interna e os fracos resultados nas sondagens a nível nacional, Francisco Rodrigues dos Santos passou o seu primeiro teste eleitoral.

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Em quarto lugar, os resultados nos Açores e as difíceis mas bem sucedidas negociações subsequentes permitem aos vários partidos à direita do PS apresentar-se nos próximos actos eleitorais com a mensagem credível de que votar em qualquer um deles pode ser um voto útil para ajudar a construir uma alternativa de governação não socialista. Talvez a evidência mais simbólica dessa realidade nos Açores tenha sido o facto de o deputado eleito pela IL (com 1,9%) e a extinção eleitoral da CDU (com 1,7%) no arquipélago terem muito provavelmente feito a diferença na possibilidade de construir a maioria que permitiu retirar o PS do poder e iniciar um novo ciclo político nos Açores.

Com tantas e tão diferentes forças políticas envolvidas, o equilíbrio e sustentabilidade futura da nova solução governativa nos Açores será certamente difícil e complexo, mas constitui ainda assim um sinal importante e uma clara vitória política para Rui Rio. Seguindo o precedente estabelecido por António Costa em 2015, Rio consegue agregar em torno de um PSD não maioritário o apoio político necessário para constituir uma alternativa de governação. Mais: Rui Rio reforça também a sua imagem de político pragmático e orientado para soluções concretas, mais do que para divagações inconsequentes ou purismos ideológicos. Vale a pena aliás recordar que, quando foi Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rio chegou a governar com apoio da CDU.

Está por provar que o que se passou nos Açores será replicável a nível nacional – e muito vai depender obviamente dos resultados de próximas eleições legislativas – mas o que se passou é mais um sinal de que Portugal caminha no sentido do que é mais normal no contexto de democracias liberais com sistemas eleitorais proporcionais. Como bem realçou Pedro Pestana Bastos:

“Não obstante o nosso sistema eleitoral ser de base proporcional, o que à partida favoreceria as coligações, a verdade é que durante trinta e cinco anos Portugal privilegiou soluções governativas unipartidárias, típicas de “democracias maioritárias”.”

Com a decisão em 2015 por parte de António Costa de recorrer ao PCP e ao BE para chegar ao poder e, agora, nos Açores, a construção de uma alternativa de governação liderada pelo PSD, com CDS e PPM, e com entendimentos de base parlamentar com IL e Chega, podem estar definitivamente lançadas as bases para um novo modelo de soluções governativas em Portugal. O alargamento desse modelo ao espaço político à direita do PS (em vez da sua exclusividade à esquerda, que constituiria um valioso instrumento de perpetuação no poder para o PS) é provavelmente a mais importante lição a retirar do que se passou nos Açores.