As rendas das casas estão a subir, e as casas para arrendar estão a desaparecer. Os preços de venda das casa também sobem e a cidade vai perdendo as pessoas que constituem a sua alma. Era inevitável e, aparentemente, é imparável. É complicado, é tudo sempre complicado, mas não a culpa não é de ninguém.

A culpa não é a minha, nem de todos os que querem ficar na cidade. Quem não quer ficar perto do trabalho, dos amigos e das escolas dos miúdos? Quem quer passar os seus dias dentro do carro, parado na A1, A2, A5, IC19, etc., etc., etc., esses estreitos canais de entrada em Lisboa? Mas cá estamos nós, tão irritantes, a aumentar o lado “demand” no dinâmico “supply & demand”.

A culpa não é de quem não tem hipótese de comprar uma casa, não porque não possa pagar as prestações, que seriam muito mais baixas do que uma renda mensal, mas porque não tem margem financeira para poupar o depósito de 20% do valor que os bancos hoje exigem, ao mesmo tempo que está a ser esmagado por impostos impossíveis, falta de estabilidade no emprego, falta de contractos permanentes e rendimentos baixos.

A culpa não é dos actuais residentes dos Bairros Históricos, ignorados e esquecidos por todos durante décadas, que se encontram hoje rodeados por estrangeiros e boutiques e restaurantes que nada têm a ver com eles, e que receiam ter de sair para outros guetos ainda piores. Quem não teria aproveitado uma vida inteira de rendas controladas, embora tenha sido essa política a transformar os bairros em guetos?

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A culpa não é dos governos que instalaram e mantiveram o sistema das rendas congeladas, política que, durante mais de um século, transformou os bairros em ruínas, porque os senhorios não ganhavam o suficiente para sequer pintar os prédios. Que governo, em cem anos (antes, durante e depois do Estado Novo), resistiria uma política populista de rendas baixas controladas, para se manter no poder?

A culpa não é da revisão da lei de arrendamento, para proteger os inquilinos. Uma política populista que, embora carinhosa para alguns, vai ter exatamente o mesmo efeito que as rendas congeladas. Os inquilinos, pagando ou não pagando, nunca poderão sair das casas, porque não haverá outras casas para onde irem.

A culpa não é das insanas leis de herança que deixam irmãos a discutir durante décadas enquanto as suas heranças se desmoronam, já que nenhum governo se atreverá a mudar as regras para não parecer injusto.

A culpa não é dos senhorios que estão a encurtar os prazos dos contratos de arrendamento, de 5 para 3 anos, e de 2 para 1 ano, porque não sabem o que vêm aí em termos de mercado e de regras. Igualmente, a culpa não é dos senhorios que estão a desistir do mercado de rendas e vendem os prédios, aproveitando os valores altos enquanto a bolha se mantém. Quem não o faria?

A culpa não é dos senhorios que estão a dobrar e triplicar as rendas. Quem poderá culpá-los enquanto, como toda a gente, estão a ser esmagados com impostos? Que aproveitem enquanto podem.

A culpa não é dos arrendamentos locais turísticos, legais ou ilegais. Quem poderá culpar aqueles que, hoje em dia, tentam ganhar algum dinheiro?

A culpa não é dos turistas que querem pagar para ver esta cidade deslumbrante de cultura e coisas boas. Quem não gostaria de desfrutar Lisboa?

A culpa não é dos novos residentes estrangeiros com os seus 10 anos de paraíso fiscal. Podem estar a deslocar e a substituir os antigos residentes, e a contribuir para aumentar o peso dos impostos sobre os outros, mas quem entre nós não gostaria de aproveitar 10 anos num paraíso fiscal com sol?

A culpa não é dos vistos Gold. Quem não quer liberdade de movimento neste nosso lindo continente?

A culpa não é de ninguém … estamos todos simplesmente a ficar com o que podemos enquanto podemos… e Lisboa está perdida.

É complicado.

É complicado termos uma cidade com milhares de prédios abandonados e vazios.

É complicado que esta seja uma cidade em que vivem pessoas com ideias fantásticas, e outras com enorme poder, todos a olhar enquanto Olisipo arde e uma paródia dela própria renasce das cinzas.

É simplesmente complicado.

(Traduzido do original inglês pela autora)

Who’s to blame for selling out Lisbon

House rents in the city are skyrocketing, and rentable properties are dwindling away. Sale prices are doing the same thing, and the city is losing the people that comprise its soul. It was inevitable and, it seems, it is unstoppable. It’s complicated, everything’s always complicated, but it’s nobody’s fault.

It’s not my fault nor anyone else’s, for wanting to stay living in the city. Who wouldn’t want to stay where their work and friends and kids’ schools are? Who would want to spend their days in their cars, commuting on the A1, the A2, the A5, the IC19 etc., etc., etc., those narrow channels of dread? But here we are, being annoying and adding to the demand side of the supply and demand dynamic.

It’s not the fault of anyone who doesn’t have the slightest chance of doing the cheaper thing of buying, because they don’t have the financial room these days to save for a 20% deposit for a mortgage, while being squeezed to death with taxes, job insecurity, no permanent contracts and crappy incomes.

It’s not the fault of the existing residents of the Bairros Históricos, who have been written off by everyone else for years, who find themselves surrounded by strangers and expensive boutiques and restaurants not built for them, who who now fear having to leave their lifetime homes for bleaker ghettoes. Who wouldn’t take advantage of controlled low rents for a lifetime even though it turned their neighbourhoods into ghettoes?

It’s not the fault of the governments who instate and uphold rent control, which, for more than a century, has proven that it is a catastrophically damaging policy, turning those bairros into ghettoes, because the landlords don’t earn enough to be able to even paint their buildings. Which government in a hundred years (pre- peri- and post-Estado Novo) could resist a populist policy like that which appeals to the large low income electorate to keep themselves in power?

It’s not the fault of the new tenancy laws that will protect tenants when they cannot pay. Another populist move which, while it’s the kind thing to do, will have the same effect in the long run as rent control. Those same paying or non paying tenants won’t be able to ever leave, because there will be nowhere else for them to go.

It’s not the fault of the insane inheritance laws that leave siblings squabbling for decades while their properties crumble, because no one would dare change those rules, it would seem so unfair, and another way to get elected out of government.

It’s not the fault of the landlords who are shortening lease times from five to three to two to one year, because they don’t know what’s coming in terms of the market and in terms of the laws, the same for landlords giving up and selling their buildings, taking advantage of high sale values while this bubble remains and escaping the unfair imbalance between long term rent tax and short term rent tax. Who wouldn’t?

It’s not the fault of the landlords who are doubling and tripling their rents. Who can blame them, when they are being destroyed by taxes like everyone else. Take it while you can get it!

It’s not the fault of the short term rentals, legal and illegal. Who can blame anyone for earning money however they can, these days?

It’s not the fault of the tourists who want to come and see this beautiful falling down city of culture. Who can blame them for wanting all of this that is Lisbon?

It’s not the fault of the incoming foreign residents who are given almost total freedom from taxes for ten years. They may be displacing the people whose souls are invested in this place, and increasing their tax burden, too, but who amongst us would turn down a ten year sunny long tax haven?

It’s not the fault of Golden Visas, for who wouldn’t take that opportunity for freedom to roam in this wonderful continent of ours?

It’s nobody’s fault… we are all just trying to get what we can get while we can get it… and Lisbon is lost.

It’s complicated.

It’s complicated that here is a city with thousands of empty buildings in it.

It’s complicated that here are people with ideas and incredible brains and other people with money and incredible power watching as Olisippo burns and a parody of itself rises from the ashes.

It’s just complicated.