O regresso da exploração do lítio à ribalta mediática na campanha do PS, que foi especialmente evidente no debate entre Pedro Nuno Santos e Inês Sousa Real, demonstra que a famosa frase de Goebbels “a mentira mil vezes repetida torna-se verdade”, continua a ser um dos pilares da propaganda política, mesmo em regimes democráticos (embora muito imperfeitos!), cujas práticas de comunicação deviam estar nos antípodas das seguidas no tenebroso regime em que a frase foi formulada.

Foi afirmado por Pedro Nuno Santos no referido debate, que “Portugal tem a maior reserva de lítio da Europa e a oitava do Mundo”, razão pela qual, no seu entender, não podíamos deixar de a explorar, sob pena de comprometer o “desenvolvimento”.

O mito de que temos a maior reserva de lítio da Europa e uma das maiores do Mundo, que tem sido insistentemente utilizado pelo Governo para justificar a exploração, não passa disso mesmo, um mito, ou melhor, uma grosseira falsidade, que pela repetição sem contestação, se vai tornando “verdade”, nomeadamente no espaço mediático.

Na edição internacional de Fevereiro de 2019, a National Geographic Magazine publicou um estudo muito profundo e completo sobre o lítio e a sua exploração a nível mundial, que demonstra que entre os dezassete países que nessa época exploravam o lítio (porque há outros que têm lítio, alguns com grandes reservas, mas não o exploram), alguns dos quais europeus, as reservas portuguesas estavam em décimo sétimo e consequentemente último lugar!

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Outra situação alarmante é a superficialidade do debate político e mediático, que é demonstrada pelo facto de esta informação, que é aberta e foi publicada por uma das revistas com maior divulgação e prestígio no Mundo, ser sistematicamente ocultada, sendo que até os intervenientes políticos que se opõem à exploração aparentemente desconhecem essa realidade, não a contestando, como aconteceu no referido debate entre P.N. Santos e Inês S. Real, permitindo assim a sua “transformação em verdade”.

A única situação em que um responsável político-partidário de topo contestou publicamente, embora en passant, a narrativa relativa à nossa “grande reserva de lítio”, foi num dos últimos programas humorísticos de Ricardo Araújo Pereira, no qual Mariana Mortágua, respondendo à afirmação de RAP de que teríamos “a maior reserva da Europa e a nona do Mundo”, a contestou, referindo que Portugal teria “no máximo 0,3% do lítio mundial” e que a exploração não nos resolveria os problemas económicos.

A falsidade apregoada pelo Governo também tem tido uma “evolução”, tendo começado por afirmar que tínhamos a quinta maior reserva mundial (posição que na verdade pertence aos EUA), tendo algum tempo depois passado para a sexta (que na verdade pertence à Austrália), vindo agora P.N. Santos afirmar que é a “oitava” (posição que na verdade é ocupada em igualdade pela Rússia, Sérvia e R.P. do Congo).

Além da falta de credibilidade que decorre da variação da posição do Governo ou de quem ao mesmo está intimamente ligado (caso de P.N. Santos), é evidente que o recurso à mentira para justificar o suposto “interesse nacional” da exploração, só pode significar que a verdade, ou seja, a dimensão real da reserva, não justifica a exploração, que poderá beneficiar outros interesses, mas não o nacional.

Outro aspecto que importa a ter em conta, é a percentagem de lítio na rocha, que corresponde a uma ínfima parte

Pegando no exemplo da região da Beira – Serra da Estrela, das várias áreas em causa, a que tem “maior” quantidade de lítio (Área Guarda- Mangualde de C-Blocos N e S), dos três tipos de “soleiras” existentes (designação e informação da Direcção Geral de Energia e Geologia nos documentos constantes do processo de discussão pública), as “estaníferas”, “mistas” e “litiníferas”, as últimas, que, como o nome indica contêm maior quantidade de lítio, têm uma percentagem de 0,57% deste metal, sendo a situação no resto do país semelhante!

Ou seja, se tivermos em conta a totalidade das “soleiras”, a percentagem de lítio é inferior a meio por cento!

A principal consequência económica da reduzida dimensão da nossa reserva é que a exploração, embora seja rentável para as empresas mineiras, que irão auferir os lucros da exploração, não tem interesse para o País, visto que o Estado apenas receberá uma reduzida percentagem desse valor, a título de contrapartidas das concessões, o que está muito longe da ilusão de “árvore das patacas” que a propaganda pretende criar.

Outro aspecto desastroso, decorrente da baixíssima percentagem de lítio nas rochas, é a destruição provocada pela necessidade de escavar grandes extensões de terreno e destruir grandes quantidades de rocha, para obter quantidades mínimas de minério, visto que, se tomarmos como referência a referida percentagem máxima de meio por cento, para obter meio quilo de lítio será necessário destruir mais de cem quilos de rocha.

O aspecto acima referido resultante da exploração e “refinação” do metal, terá como consequência uma enorme destruição ambiental, associada a um brutal problema de resíduos, contaminação de águas, saúde pública e também económico.

Além dos aspectos paisagísticos e ambientais em sentido amplo acima referidos, a exploração também provocará problemas económicos graves, quer do ponto de vista da produção agrícola de alguns produtos de grande valor, como é o caso dos vinhos do Dão, como foi salientado na cerimónia de abertura da Feira do Vinho do Dão de 2020 em Nelas.

Por outro lado, nos últimos anos o turismo de natureza, nas suas várias vertentes, tem sido uma forte aposta nas regiões do Interior, com milhões de euros investidos em unidades de turismo rural e em todo o tipo de actividades no espaço natural, com um mercado crescente e que, a par da recuperação de algumas actividades tradicionais, constituem a grande aposta dessas regiões para o seu desenvolvimento económico e para combater a fuga dos jovens para o litoral ou o estrangeiro.

Ora, a “matéria prima” desse tipo de turismo é a paisagem, a biodiversidade e as condições naturais dos locais em causa, pelo que a exploração mineira, que afectará gravemente todos esses aspectos, tem também um impacto económico muito negativo e, esse sim, prejudica seriamente o desenvolvimento das regiões afectadas.

Assim, além do desrespeito pelas populações e de todos os casos estranhos e incompreensíveis na forma como foi conduzido o processo da prospecção e exploração do lítio, e que contribuíram para o terramoto judicial e político de 7 de Novembro, importa desmistificar a falsidade que fundamenta o suposto “interesse nacional” da exploração e das respectivas “vantagens” económicas, o que só nos pode levar a concluir que, embora o metal em causa seja branco, todo o processo que envolve a sua prospecção e exploração não podia ser mais escuro.

Cascais, 6 de Março de 2024

P.S. O autor não adere ao acordo ortográfico de 1990.