Na semana passada, à boleia do Orçamento de Estado suplementar, foi aprovada uma proposta do PCP que isenta os lojistas dos centros comerciais do pagamento da componente fixa da renda mensal. Uma medida que aparentemente pretendia proteger o emprego. Acontece que a aplicação prática do diploma pode mesmo vir a surtir o efeito oposto.

A pele de ovelha colocada sobre a proposta de lei foi bem vendida, ao ponto de BE e de PSD terem acompanhado os comunistas no voto favorável. O PS absteve-se. Todos correram atrás da benevolência da ideia de isentar os lojistas dos centros comerciais do pagamento da parte fixa da renda mensal. A intenção, de acordo com os proponentes do projeto-lei, seria a de apoiar os comerciantes com lojas nos centros comerciais, tendo em consideração o período particularmente exigente que o país atravessa. Medidas que sirvam para proteger o emprego e salvaguardar postos de trabalho merecerão sempre o apoio da maioria dos portugueses, e dos empresários em particular. Não conheço nenhum gestor que não queira que a sua empresa e o seu negócio prospere, progrida e avance. Não conheço!

É absolutamente urgente a implementação de medidas concretas que visem reanimar a economia, estimular o emprego e dinamizar o tecido empresarial nacional. Evitar o colapso das pequenas e médias empresas, que são 80% do empresariado português, é um desígnio nacional que a todos deve mobilizar. Sem empresas, não há emprego.

A proposta de lei do PCP, se lida num plano meramente formal, parece justa. Mas será que é realmente assim?

A aprovação de medidas que promovem a desigualdade entre privados, que operam em mercado concorrencial, e que representam a ingerência do poder político nas relações entre empresas privadas, merecem as maiores reservas e devem ser estudadas com especial cuidado.

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Relativamente a este caso concreto, a medida que foi aprovada na AR vai contribuir para aprofundar a desigualdade, que é cada vez mais evidente, entre os comerciantes locais e os lojistas com estabelecimentos em centros comerciais. Pergunta-se: qual a razão para que o pequeno comércio tradicional de rua não tenha sido também abrangido pelo diploma? Não precisariam estes, porventura mais até, de apoio, de estímulos e de uma folga? À luz do que foi aprovado, o comércio local continuará em manifesta desvantagem face às lojas situadas em centros comerciais. A verificar-se este quadro de concorrência desleal, o impacto sobre o equilíbrio económico e financeiro das empresas ligadas ao comércio local será brutal. São milhares de empregos diretos em risco e uma ameaça a centenas de micro e pequenas empresas que vão subsistindo com evidentes dificuldades.

Não deixa de ser irónico constatar que o documento aprovado, sob proposta do PCP, tem como foco essencial o perdão de rendas praticadas em centros comerciais onde a grande maioria dos operadores são empresas multinacionais.

Ao perdoar a renda fixa mensal, o PCP, está a favorecer em primeiro lugar as cadeias de lojas internacionais em que o peso da componente fixa representa cerca de 50% a 70% do valor total da renda. Para os pequenos lojistas, que representam 23% do setor, a parte variável da renda é superior.

Não se conhece outro sector de atividade, nem cá, nem lá fora, que tenha visto ser aprovada uma medida de alcance equivalente. Todas as medidas similares que vieram a ser aprovadas noutros parlamentos reportaram-se unicamente ao período de “lockdown”. Ao contrário do que acontece por cá, os diplomas que foram aprovados noutros países asseguravam o acesso, circunscrito no tempo, das entidades arrendatárias a benefícios fiscais, de forma a atenuar o impacto que a redução da cobrança de rendas teria nos exercícios das empresas abrangidas, que também elas representam emprego.

Fica ainda por explicar o que motivou a intromissão do poder público numa matéria sujeita a negociação entre privados, cujo acordo pressuponha um apoio financeiro dos centros comerciais aos respetivos lojistas na ordem dos 300 milhões de euros.

Mas, verdade seja dita, que no que se refere ao campeonato da ingerência do poder público na vida das empresas privadas, PCP e Bloco são os verdadeiros mestres da tática.