Boaventura Sousa Santos e Francisco Louçã não têm qualquer dúvida: a investigação judicial contra Lula é um processo politico. O primeiro define a operação Lava Jato como uma tentativa de “liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis.” Segundo o Professor Boaventura, as autoridades judiciais brasileiras tornaram-se instrumentos dos sectores conservadores brasileiros e do “imperialismo americano” (não há delírio de Boaventura sem a inclusão dos imperialistas americanos). Francisco Louçã é igualmente claro: “O objectivo da condenação é evidente … era necessário impedir a inscrição da candidatura de Lula no registo eleitoral.”

Os Professores fazem estas acusações sem apresentarem qualquer evidência, qualquer prova. O argumento é basicamente o seguinte: um político de esquerda é acusado e condenado, logo a justiça está ao serviço da direita. O que os nossos professores omitem é que dezenas de funcionários judiciais participaram nas investigações sobre Lula, desde procuradores e agentes da Polícia Federal até juízes, incluindo os do Supremo Tribunal Federal (muitos deles nomeados por Lula e por Dilma). Só mesmo mentes delirantes é que acreditam que estas dezenas de pessoas estejam ao serviço de uma estratégia política. Também não colocam a interrogação natural: por que razão a direita só usou as instituições judiciais mais de doze anos depois de Lula e do PT terem subido ao poder? Obviamente, não têm resposta para esta questão.

A ligeireza e o tom seguro das acusações de Boaventura e de Louçã mostram, em primeiro lugar, uma arrogância dos velhos europeus sobre o Brasil. Como se atrevem, de um modo tão ligeiro, a questionar o estado de direito no Brasil? Que autoridade têm para o fazer? Só o fazem porque exploram a imagem do Brasil como um país de terceiro mundo onde é natural que a justiça seja explorada por interesses políticos. Estão errados. Desde o início da investigação Lava Jato, as autoridades judiciais brasileiras têm mostrado um elevado profissionalismo, independência e capacidade para desmascarar a corrupção política. E a justiça brasileira não investigou apenas políticos do PT. O PMDB, um partido de “direita” para Boaventura e para Louçã, tem antigos ministros, antigos governadores e antigos senadores na prisão, entre eles o tão detestado Eduardo Cunha, que liderou o processo de destituição de Dilma no Congresso. O antigo candidato presidencial do principal partido de centro direita e aspirante a candidato nas eleições deste ano, Aécio Neves do PSDB, está a ser igualmente investigado, o que de resto já o terá afastado das presidenciais de Outubro. A verdade é que a justiça brasileira é um exemplo para muitos países europeus.

Os delírios de Boaventura e de Louçã também se explicam pelo seu fanatismo ideológico. Por definição, a esquerda — ou pelo menos a esquerda deles – não é corrupta. A corrupção é um exclusivo da direita. Por isso, não se atrevem a discutir de um modo sério os anos de Lula no poder. Desde o mensalão até ao Lava Jato, as investigações mostram que os governos do PT foram os mais corruptos da história do Brasil. O PT usou os recursos da Petrobrás e dos bancos públicos para reforçar o seu poder político, comprando até os deputados de outros partidos. Essa é a grande verdade das presidências de Lula. Louçã diz que Lula cometeu um erro ao aliar-se ao PMDB (sim, o tal partido de “direita”), mas não foi um erro. Lula não comete erros desses. A aliança entre o PT e o PMDB foi o elemento central de uma estratégia de poder absoluto dos dois partidos, que partilharam durante mais de 12 anos os recursos do Brasil. Quando se aliou ao PMDB, Lula sabia muito bem o que estava a fazer e conhecia os seus aliados. Lula promoveu uma aliança entre os intelectuais e os sindicatos de São Paulo com os herdeiros mais sinistros dos velhos “Coroneis” do Nordeste Brasileiro (o PMDB) para governar o Brasil. Mas isso não interessa nada a Boaventura, ou é reduzido a um erro por Louçã.

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Boaventura e Louçã revelam ainda uma leitura “romântica” da herança de Lula (o romantismo e o totalitarismo andaram sempre de mãos dadas). Boaventura sublinha “as conquistas sociais” e Louçã destaca a luta do PT e de Lula contra a “extorsão do pecúlio público por elites gananciosas” (descrevendo involuntariamente o que a aliança entre o PT e o PMDB fez). É verdade que a pobreza diminuiu durante os anos de Lula na presidência. Mas convém notar que muitas políticas sociais, como a bolsa família, começaram com Fernando Henrique Cardoso, e não com o PT. Lula e o Brasil beneficiaram entre 2002 e 2010 do preço elevado do petróleo e da venda de matérias primas à China.

Boaventura e Louça ignoram, obviamente, a aliança entre Lula e as elites empresariais brasileiras. Ao contrário do que dizem, “as elites brasileiras” adaptaram-se muito bem a Lula e ao PT. Boaventura e Louçã gostam muito de números. Deixo-lhes um desafio. Vejam o aumento de números de bilionários e de milionários no Brasil durante os anos de Lula, o crescimento da riqueza das elites e o aumento do fosso entre os mais ricos e a classe média. Vejam também quem foram os amigos do Presidente Lula, com quem ele privava e com quem organizava os seus adorados churrascos. Vejam como eram as festas dos principais dirigentes do PT. Como disse uma jornalista brasileira, “desde que deixou o Planalto, Lula nunca mais viajou em voo comercial. Passou a usar apenas aviões privados.“

A história de Lula tem tanto de simples como de dramático. Um antigo operário, com carisma e talento politico, usou os recursos públicos do seu país para reforçar o poder do seu partido e dos seus aliados. Pelo caminho, deslumbrou-se com a riqueza dos seus novos amigos empresários e quis ser como eles. Boaventura e Louçã nunca o poderão reconhecer, porque isso significaria o colapso das ideologias em que acreditam. A hegemonia política e a apropriação do Estado e dos recursos públicos acabam fatalmente na corrupção. No Brasil e na Europa.