A opção de António Costa segurar João Galamba contra todas as evidências é compreensível se tivermos em conta a aversão do PM a remodelações governamentais. Como é também compreensível que tenha aproveitado a oportunidade para uma demonstração de autoridade face ao Presidente da República (mas dirigida também para o interior do PS). O que já é mais difícil de compreender é que tenha optado por associar a confrontação com o Presidente da República a uma humilhação pública daquele que foi até muito recentemente o seu mais importante aliado político: Marcelo Rebelo de Sousa.
Conforme bem salientou Miguel Poiares Maduro: “Não há outra conclusão: o PM não se limitou a afrontar o PR, quis humilhá-lo publicamente (depois da reunião da manhã com JG este só ter apresentado a demissão depois da reunião do PR com o PM só permite essa leitura). O PM podia ter afrontado o PR não demitindo João Galamba nem remodelando o Governo. Mas a encenação da demissão e recusa pública da demissão não é uma mera afronta, é uma humilhação pública intencional do PR para demonstrar que quem manda é o PM.”
Marcelo teve, importa realçar, razões pertinentes para não avançar para a dissolução: o PS aproveitaria certamente para se vitimizar, não é claro que exista hoje uma alternativa clara de governação dada a fraqueza do PSD e o PR certamente não gostaria de ficar visto como causador de o CH ter uma votação substancialmente superior à de 2022. Como bónus, a dissolução acarretaria ainda o fim da Comissão de Inquérito à TAP, o que não deixaria certamente de ser saudado com alívio pelo PS e muito em especial pelo ainda ministro João Galamba.
Mas depois da humilhação pública que Costa infligiu a Marcelo, o Presidente da República fica claramente fragilizado. Marcelo é aliás em boa medida vítima de si próprio: até muito recentemente, falou vezes demais, deixou ameaças (directas e indirectas) demais e culminou numa comunicação ao país que visou duramente Galamba e o governo socialista mas que foi também, pelo menos no imediato, inconsequente. Ao prometer ser mais interventivo, Marcelo fez também implicitamente uma espécie de mea culpa sobre tudo o que (não) fez ao longo dos últimos sete anos. Ainda assim, parece razoável concluir que assistimos a um ponto de não retorno nas relações entre PM e PR.
No campo socialista, os ataques a Marcelo vão-se sucedendo, desde Carmo Afonso a Miguel Prata Roque, numa escalada de agressividade de que o melhor expoente até agora foram provavelmente as acusações de desequilíbrio emocional lançadas por Estrela Serrano contra Marcelo com base na sua vida privada: “Principal diferença entr Marcelo e anteriores PRs é Marcelo n ter companheira a seu lado. ManuelaEanes, MJesusBarroso, MJoséSampaio, CavacoSilva, foram tb conselheiras em momentos difíceis. Convívio e lazer em famíla, afecto, partilha e equilíbrio emocional escasseiam c Marcelo.”
Estrela Serrano que, importa recordar, foi vogal da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e membro do Conselho de Opinião da RTP, retoma assim agora a lamentável tradição socialista dos ataques na mesma linha lançados por Mário Soares contra Sá Carneiro.
Aos pontas de lança mediáticos socialistas juntam-se, como habitualmente, um pequeno mas mediaticamente proeminente conjunto de lamentáveis figuras que se apresentam como não socialistas mas curiosamente alinham sempre com a cartilha que mais convém ao PS. Com o efeito repetidor que advém da sua presença regular em múltiplos órgãos de comunicação, nunca falham na crítica aos críticos do governo e alinham agora também nas críticas a Marcelo.
O que fará Marcelo, com a inteligência e calculismo que todos lhe reconhecem, depois da humilhação a que Costa o sujeitou é uma questão em aberto. Mas para já uma coisa é certa: a continuidade de João Galamba como ministro é o melhor indicador do estado de degradação a que chegou a governação socialista e o próprio PS.