Todos os cidadãos portugueses com mais de 18 anos e direito de voto (esqueçam: todos os outros também) sabem que o nosso culto Presidente da República gosta muito de ler. Aliás, tem uma dedicação tão grande à leitura que de certeza não lhe escapou um dos maiores bestsellers dos últimos anos. Falo, obviamente, de “O Segredo”, de Rhonda Byrne.
A tese do livro era muito simples (e muito tonta também) e resume-se assim: o pensamento positivo atrai coisas positivas e o Universo dá-nos aquilo que mais queremos desde que sejamos capazes de pedir com muito jeitinho. A autora explicava a profundidade da sua descoberta filosófica desta forma: “Os pensamentos são magnéticos, e os pensamentos têm uma frequência. Quando você pensa, emite para o Universo pensamentos que atraem magneticamente todas as coisas semelhantes que estejam na mesma frequência. Tudo o que é emitido retorna à fonte. E essa fonte é Você.”
Não sei se “Você” percebeu, por isso vou dar um exemplo absolutamente ficcional: pense num Presidente da República imaginário (chamemos-lhe “Marcelo”), de um país imaginário (chamemos-lhe “Portugal”), que tem um grupo de funcionários públicos imaginários com problemas variados (chamemos-lhes “professores”). Ora, como é que “Marcelo” pode resolver os problemas dos “professores” de “Portugal”? Simples: basta sair à rua e dizer, com muita convicção, a frase “Os professores de Portugal são dos melhores do mundo”. Não é preciso mais nada. Esqueçam as avaliações de organismos internacionais, esqueçam as debilidades das escolas públicas, esqueçam o atraso na distribuição dos livros, esqueçam a falta de funcionários. Nada disso é importante: a frase “Os professores de Portugal são dos melhores do mundo” resolve tudo. Especialmente se for seguida de uma explicação elaboradíssima para o porquê de eles ocuparem esse lugar invejável:
- “Porque têm esperança” (não se percebe bem para que é que precisam de “esperança” se já são os melhores, mas não vale a pena perdermo-nos em detalhes);
- “Porque transmitem essa esperança” (o que mostra uma saudável aversão ao egoísmo);
- “Porque olham para o futuro” (já imaginaram se olhassem para o passado?);
- “E porque estão disponíveis” (não se percebe bem para onde se orienta essa disponibilidade — mas, mais uma vez, são pormenores, pormenores).
Se “O Segredo” funciona com os professores, não há razão para ficarmos por aí. Aliás, o Presidente da República não fica. Em Março deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha revelado ao Universo que “os militares portugueses são os melhores do mundo”; em Junho disse que “os Estados Unidos são um grande país, mas Portugal ainda é maior”; em Julho, perante uma plateia inocente de crianças, apontou para António Vitorino, que estava a seu lado, e jurou que ele era “um dos melhores do mundo”; e em 2016 tinha dito, de forma mais genérica, que “Portugal é a melhor pátria do mundo, somos os melhores”, enumerando depois, resumidamente, que isso acontece no desporto e na ciência e na educação e na literatura e no trabalho e nas empresas. (Pequena pausa para recuperar o fôlego.)
Mesmo fazendo um grande esforço para pensar, não se entende o que pretende Marcelo com este insistente, irritante e irrealista optimismo. Por um lado, todos sabem que nada disto é verdade. Por outro, todos sabem que Marcelo sabe que nada disto é verdade. Assim sendo, sobra para quem o ouve o recurso àquele sorriso paternalista que normalmente reservamos aos tios excêntricos que aparecem nos jantares de Natal a berrar inconveniências. Não é, admitamos, a forma mais saudável de nos relacionarmos com um Chefe de Estado. Quando fala assim, o Presidente da República diminui-se e coloca-se ao mesmo nível do mais primário guru de auto-ajuda. Há pouco tempo, Marcelo disse a um grupo de crianças: “Olhem-se ao espelho e digam: eu sou muito bom”. É uma pena: o Presidente da República pode não ser o melhor do mundo, mas é melhor do que isto.