Os problemas do Banco de Portugal não começaram certamente com Mário Centeno — nem sequer com Vítor Constâncio –, mas a verdade é que Centeno tem levado a níveis particularmente gravosos a instrumentalização política da instituição. Sobre o Banco de Portugal em geral, mantenho o que aqui escrevi em 2016:

“Extinguir o Banco de Portugal ou – mais realisticamente face aos condicionamentos da pertença à zona euro – reduzir drasticamente os seus quadros e despesas seriam propostas merecedoras de atenta discussão face à sua inoperância e à falta de competência sucessivamente demonstrada ao longo de muitos anos.”

A questão do Banco de Portugal insere-se num problema mais amplo de deficiente funcionamento das instituições incumbidas de funções de regulação. Num país pequeno e fechado como Portugal, com uma longa tradição de captura das instituições e do Estado, essas instituições regulatórias acabam por funcionar em muitos casos como plataformas para atribuir sinecuras do regime. Seja para efeito de colocação de quadros partidários mais ou menos obscuros, retribuição por serviços ou favores políticos prestados a quem está no poder ou para funcionarem como prateleiras douradas, as instituições regulatórias ditas “independentes” funcionam em Portugal frequentemente como mecanismos de redistribuição dos recursos dos contribuintes para as classes dominantes do regime.

Mas o que está agora em causa com a actuação de Mário Centeno como Governador do Banco de Portugal já transcende essa triste realidade habitual em Portugal. Critico agora Mário Centeno com o conforto de ter defendido publicamente o seu currículo em 2015 pelo que absolutamente nada de pessoal me move contra o actual Governador do Banco de Portugal. Mas é hoje inegável que o Banco de Portugal está a ser politicamente instrumentalizado de uma forma flagrante, ao serviço dos objetivos políticos do seu actual Governador. Como bem apontou o Director da Faculdade de Economia do Porto, Óscar Afonso:

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“Já todos perceberam que o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, quer aproveitar ao máximo os últimos meses do seu mandato para deixar recados políticos. Desta vez, no Boletim Económico de dezembro (BE-dez) do BdP, sinaliza-se um regresso do défice público, um aumento da desigualdade de rendimentos com o novo IRS Jovem e um baixo efeito de um corte de IRC. Nos três casos, só se focam os aspetos negativos ou pessimistas das políticas subjacentes, não os principais efeitos positivos que estiveram na base da sua adoção, o que leva a conclusões também negativamente enviesadas, reduzindo a credibilidade da análise. Infelizmente, parece que o regulador, em vez de se dedicar a análises de política económica objetivas, abordando quer os prós quer os contras das medidas, se foca apenas nos contras e nas manchetes de (tele)jornal.”

Verdade seja dita que a transição directa de Mário Centeno de Ministro das Finanças para Governador do Banco de Portugal não augurava nada de bom do ponto de vista da politização do exercício das funções mas, mesmo assim, aquilo a que se tem assistido é particularmente mau. Centeno é, naturalmente, livre de ambicionar uma candidatura a Belém mas a utilização do cargo de Governador do Banco de Portugal para a pré-campanha é algo que não deve ser tolerado. Como bem assinalou o líder da IL Rui Rocha:

“Gouveia e Melo já deixou as funções que lhe permitiam utilizar meios públicos para promover a sua candidatura. Mário Centeno ainda não.”

Uma boa decisão de Mário Centeno para o Ano Novo seria, pois, seguir o exemplo dado pelo Almirante Gouveia e Melo e apresentar a sua demissão com efeitos imediatos para se poder dedicar livremente à actividade política.