Desde finais do séc. XIX, o liberalismo foi uma corrente político-filosófica esquecida em Portugal. Na prática, desde a implantação da República, o país viveu nas mãos de poderes com tendências autoritárias, culminando com a ditadura corporativista de António de Oliveira Salazar, que nos subjugou durante quase cinco décadas.

Em 1974, com a chamada Revolução dos Cravos, o país teve a oportunidade de se reorganizar democraticamente. Para o efeito, é criada e votada uma nova Constituição e surgem novos partidos políticos. Como é natural nestas situações, o grosso dos intervenientes políticos posiciona-se nos cantos opostos ao regime ora derrubado. Assim, o Partido Comunista, Socialista e o mais ao centro Partido Social Democrata tornam-se os mais populares. A título de exemplo, conta-se que foi solicitado a Freitas do Amaral a criação do CDS (que se definia como centrista), por forma a que o quadro político em Portugal se encontrasse um pouco mais equilibrado.

Só em 13 de dezembro de 2017, com o reconhecimento da Iniciativa Liberal (IL) como partido, passa a existir em Portugal um partido reconhecidamente liberal. Este hiato de mais de 100 anos tornou, naturalmente, estranhos os conceitos do liberalismo ao comum dos cidadãos e, na prática, lançou um turbilhão no panorama político luso.

Se numa primeira fase, o conceito de liberdade económica despertou interesse a alguma direita lusitana, o crescimento mediático e reconhecimento político do partido permitiu o conhecimento da filosofia liberal nas questões sociais. A defesa dos direitos, das liberdades e garantias individuais parece agora chocar os velhos conservadores que de início olhavam para a IL como um novo partido de espírito jovem e irreverente, mas que acreditavam ter as mesmas posturas e ideias de sempre.

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Por outro lado, e no campo oposto do espectro político, a esquerda, de início e perante a apresentação de propostas económicas liberais, não hesitou na colagem do velho rótulo de sempre: a IL era um novo partido, mas, tal como todos os outros, era neo-liberal e/ou de extrema-direita.

A apresentação de propostas de caráter social por parte da IL, veio, no entanto, lançar a confusão na esquerda portuguesa, que viu ameaçado o seu monopólio das causas sociais. O cúmulo é ver simpatizantes e militantes de partidos de esquerda a lamentarem-se por existirem novos players a defenderem o que eles próprios defendem. Mas o objetivo não era esse? Parece que não. Pelos vistos, o objetivo não é a defesa das causas em si, mas sim a utilização das causas para promoção de outros objetivos políticos.

Nunca a IL se identificou como um partido de direita ou de esquerda e a confusão do panorama político começou precisamente aqui, com os velhos partidos a não conseguirem compreender o verdadeiro posicionamento, que, na prática, estará num eixo acima da dicotomia esquerda e direita.

Esta confusão leva naturalmente à criação de vários preconceitos, ora por ignorância, ora por pura desonestidade política ou intelectual. O mais comum destes preconceitos, inclusivamente veiculado pelo Primeiro-Ministro, é o de que os liberais defendem a ausência de Estado. Esta confusão entre libertários e liberais é facilmente desmontada. A IL defende, sem qualquer dúvida, um Estado forte. No entanto, forte não significa gordo nem pesado, nem opaco, nem tentacular e, muito menos, autoritário. Um Estado forte deve ser assertivo, transparente, capaz, regulador e, acima de tudo, eficiente, deixando margem para que os cidadãos possam, respeitando os direitos dos seus pares, usufruir da plenitude da sua liberdade individual. O Estado deve, portanto, imiscuir-se de operar em sectores onde os cidadãos podem livremente desenvolver as suas atividades, adotando, sim, uma postura reguladora que possa retificar possíveis desvirtuações que ponham em causa a sã relação entre indivíduos ou empresas.

Outro preconceito em voga é o de que as propostas de liberdade social defendidas, mais não são do que a implantação da libertinagem e da ausência de regras, com vista ao fim da sociedade como a conhecemos. Este preconceito, normalmente veiculado pelo polo oposto de quem veicula o preconceito anterior, é também ele facilmente desmontável. O que se defende é sempre o primado do indivíduo, no entanto, como nos diz o senso comum, a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do outro. A primazia do indivíduo não significa a ausência de regras, antes pelo contrário. A título de exemplo, se por um lado se defende o direito à livre circulação de pessoas e bens, também se exige que essa liberdade respeite as regras e leis definidas para o efeito; se se defende a liberalização da eutanásia, também se exige o total cumprimento do que se encontra transposto na respetiva lei. Em suma, o que se exige é máxima liberdade, máxima responsabilidade.