Este título soa a slogan partidário populista. Representa aquilo que todos nós desejamos, melhores salários e mais tempo livre. Um tempo livre com mais qualidade de vida, porque seria um tempo livre com mais rendimento e mais consumo. Foi isto que António Costa colocou no seu programa eleitoral de 2021: aumentar os salários em 20% até ao final da legislatura e estudar a redução da semana de trabalho de cinco para quatro dias, isto é, aumentar o fim de semana para três dias.
Ao fim de apenas seis meses desta legislatura, a promessa de aumentos salariais afigura-se praticamente impossível de cumprir. Em 2022, os salários reais dos trabalhadores portugueses vão sofrer uma forte queda. O Governo prevê para este ano uma taxa de inflação de 7,4%, o que implicará uma redução dos salários reais de cerca de 5%. Para 2023, antecipa-se mais uma redução dos salários reais. Em linha com o objetivo do BCE para a taxa de inflação, o primeiro-ministro defende aumentos de 2%. Como as previsões do BCE para a taxa de inflação em 2023 são de 5%, a perda de poder de compra poderá rondar os 3%. Com o aumento dos salários muito aquém da taxa de inflação e do crescimento do PIB (cerca de 6% em 2022), o peso dos salários no PIB vai sofrer uma forte queda. Mais uma promessa eleitoral do Partido Socialista que se afigura impossível de cumprir: o aumento do peso da massa salarial no PIB. Só aumentos salariais estratosféricos nos últimos três anos da legislatura permitiriam recuperar a perda de poder de compra em 2022 e 2023.
Na impossibilidade de cumprir a promessa de aumentos salariais, o Governo iniciou os trabalhos para poder dar aos portugueses fins de semana mais longos. Numa altura em as empresas têm dificuldade em aumentar os salários em linha com a inflação, em que enfrentam o aumento dos custos com a energia e com os juros da dívida, e em que enfrentam uma enorme incerteza em relação ao futuro, o Governo decidiu avançar com uma proposta cujo efeito imediato será um aumento dos custos das empresas.
Para coordenar o projeto-piloto da semana de trabalho de quatro dias o Governo nomeou na semana passada Pedro Gomes, professor no Birkbeck College, Universidade de Londres, que publicou um livro sobre o tema: Sexta-feira é o novo sábado – como uma semana de trabalho de quatro dias poderá salvar a economia. Vale muito a pena ler o livro. Apresenta uma história detalhada da evolução da carga horária semanal, incluindo os debates desde meados do século XIX sobre a passagem da semana dos seis dias para a semana dos cinco dias. O livro mostra um alargado e profundo conhecimento da história do pensamento económico e recorre às ideias dos mais importantes economistas do século XX para apoiar a semana de trabalho de quatro dias. Dado o conhecimento que o autor demonstra e a atenção que devota às questões de ‘causalidade‘ – um importante debate metodológico sobre as dificuldades em identificar relações de causa e efeito na economia – surpreende a forma categórica com que defende a semana de quatro dias como a solução para aumentar a produtividade e os salários, reduzir a desigualdade e melhorar o bem-estar geral da população.
Confesso que fui apanhado de surpresa por este debate. Um dos grandes desafios que a economia portuguesa tem pela frente – muito recordado nos últimos dias a propósito da sustentabilidade da Segurança Social – é problema do envelhecimento e da redução da população ativa. De acordo com as previsões do Ageing Report 2021 da Comissão Europeia, nas próximas três décadas a população ativa deverá diminuir de 4,9 para 3,9 milhões, isto é, mais de 20%. Esta redução da população ativa terá um forte impacto negativo no PIB e, assim, na sustentabilidade da dívida pública e da Segurança Social. A redução da população ativa terá de ser compensada pela redução do desemprego, o aumento da taxa de participação no mercado de trabalho, a imigração, a automação, a melhoria da escolaridade dos gestores e trabalhadores, a melhoria das instituições e do ambiente económico. Em suma, o bem-estar da população portuguesa depende crucialmente do aumento da produtividade para compensar os efeitos negativos da demografia.
Neste quadro, Pedro Gomes apresenta como solução diminuir o horário de trabalho em 20%. Se as pessoas dedicassem a totalidade do tempo liberto ao lazer, teríamos uma redução da população ativa em 20%! O autor argumenta, recorrendo até à Grécia Antiga, que a diminuição da carga de trabalho semanal tornará as pessoas mais produtivas e mais criativas. No entanto, para que a semana de quatro dias não agrave o problema da sustentabilidade da Segurança Social, será necessário um aumento da produtividade em pelo menos 25% para compensar a diminuição das horas de trabalho.
Citado pelo jornal Público, o professor na Universidade de Londres afirmou que há uma linha vermelha para o seu trabalho: “haverá uma redução significativa de horas sem qualquer corte no salário”. Assim, afasta desde logo uma das oito formas que propõe para o ajustamento das empresas à semana de quatro dias (cap. 14). As outras formas de ajustamento incluem: congelar salários; aumentar a carga horária em cada um dos quatro dias; reduzir outros custos das empresas; aumentar os preços; reduzir os lucros onde existe poder de monopólio; atribuir de subsídios temporários e aumentar da produtividade. A única que não teria verdadeiramente custos adicionais para as empresas seria o aumento da produtividade. E o aumento da produtividade, como refiro acima, depende de muitos fatores e não apenas das empresas.
Pedro Gomes reconhece que a redução da semana de trabalho para quatro dias deve ser adotada em primeiro lugar pelas principais economias. Economias pequenas e muitos abertas ao comércio internacional como a portuguesa, se tomarem a dianteira neste processo, podem ficar dessincronizadas com os seus parceiros comerciais. Convém que esteja alguém no escritório à sexta-feira para receber e expedir encomendas. Também por esta razão me surpreende este impulso reformista do Governo.
A forma mais óbvia e fácil de começar a ‘reforma estrutural’ da semana de quatro dias seria pela Administração Pública. Mantendo as 35 horas semanais, para não agravar mais as desigualdades em relação ao sector privado, bastaria aumentar a carga horária para oito horas e 45 minutos, contra as atuais sete horas.
Adicionalmente, antes de iniciar uma nova experiência social, penso que seria útil Pedro Gomes, um especialista em emprego público, começar por estudar os impactos da redução, adotada pelo governo da ‘geringonça’, das 40 para as 35 horas semanais na Administração Pública. Por exemplo, qual foi o impacto da reposição das 35 horas no Serviço Nacional de Saúde em termos da qualidade do serviço, da produtividade e nas horas extraordinárias?