São mil os dias de uma guerra hedionda que, agora, se internacionalizou.

Nunca a Rússia pensou que a Ucrânia lhe fizesse frente tanto tempo. Mas se o fez, já o sabemos, foi graças a uma panóplia de armamento e dinheiro que, entretanto, quer a Europa, quer sobretudo os Estados Unidos da América, lhe têm conferido.

Nunca a Rússia teve legitimidade para atuar belicamente sobre a Ucrânia, é um facto. E é facto que Putin não está propriamente preocupado com o cumprimento do direito internacional. Razões que sobram para temermos, hoje, a reação assumida no alargamento do uso de armas nucleares.

À data em que redijo este artigo, a Ucrânia já fez uso, pela primeira vez, de um ataque com misseis de longo alcance de fabrico norte-americano. Na véspera, Putin alterou a lei com vista a responder a estes ataques com uso de armas nucleares. E repare-se, se o uso desta tipologia de armas está consignado, somente, na verificação da sobrevivência ou subsistência de um Estado, está claro aos nossos olhos que a narrativa e ímpeto imperialista da Rússia não terá pejo em alcançar os seus objetivos ao arrepio de quaisquer regras.

O pior, entenda-se, é que a guerra da Ucrânia, de âmbito regional, internacionalizou-se. E tal facto ocorreu com a entrada de soldados norte-coreanos no perímetro como, outrossim, a autorização dada por Biden esta semana, a sessenta dias de desocupar a Casa Branca, para que os mísseis de longo alcance norte-americanos possam ferir território russo.

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Aqui chegados, façamos algumas reflexões que se impõem.

Estamos – estamos mesmo! – à beira da terceira guerra mundial. E tanto assim é que a Finlândia, Suécia e Noruega procederam ao aviso dos seus cidadãos, através da distribuição de panfletos, para se prepararem para uma guerra. Ora, qualquer destes países pertence à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Os povos, esses, estão subjugados aos decisores, e se aquela for realidade, serão eles os afetados.

Olhemos, pois, para os decisores.

A sessenta dias de Trump tomar posse, resolveu anuir aos pedidos de Volodymyr Zelensky, na autorização dada, conferindo maior fôlego à Ucrânia, verdade, mas colocando o mundo numa posição extraordinariamente delicada.

Trump ainda não se pronunciou, mas se bem o leio, a sua estratégia passa unicamente por uma negociação a qual faça a Ucrânia capitular, cedendo território ocupado, sob aviso do fim da ajuda norte-americana. Veremos.

Por outro lado, a Europa. Está objetivamente envolvida neste conflito sendo potencial alvo dos russos. Objetivamente porque foram e vão além da narrativa de condenação. Repare-se que os Estados Unidos não ficaram isolados na autorização do uso de armas de longo alcance, sendo secundados pela França e pelo Reino Unido. A Alemanha, essa, em plena crise política, apesar de ter saudado aquela autorização, obsta ao envio de mísseis Taurus de longo alcance para a Ucrânia, conforme decisão anunciada pelo chanceler Olaf Scholz.

Ainda na Europa, que tem dormido e descansado sob o chapéu dos Estados Unidos por via da OTAN, está manifestamente impreparada e descoordenada no caso de uma retaliação. O que será da Europa?

Também aqui urge perguntar: seja qual for o desfecho desta guerra, que pretensões expansionistas e terá Putin? Qual a sua meta imperialista?

E o que dizer da República Popular Democrática da Coreia cujo líder, Kim Jong-un, além de ter enviado soldados para a Ucrânia, sem preparação necessária, alertou de modo igual o seu povo para uma eventual guerra? Qual o fito de auxiliar a Rússia num combate que não é o seu? Terá o líder norte-coreano a pretensão de invadir a Coreia do Sul, a seu tempo, e ser auxiliado pela Rússia se os Estados Unidos se envolverem?

O mundo está muito perigoso. Este conflito extravasou a Europa de Leste. Sempre fui crítico da Rússia e sempre fui solidário com a Ucrânia e com o seu povo, mas tal não obsta ao raciocínio limpo de que esta guerra não é de todos os povos e poderá sê-lo em breve.

Ajudar a Ucrânia foi uma decisão séria e assertiva, solidária, justa e necessária. Mas cuidado com o alcance da ajuda. Num conflito onde americanos, russos e norte-coreanos se juntam em forças opostas, deve-se temer o pior.

Quando alemães, ingleses e franceses se lhes juntam, a tendência do conflito alastrar aumenta exponencialmente, quer pela sua participação, tout court, quer pela obrigatoriedade de outros se lhes juntarem, enquanto membros da OTAN.

Lembremos, pois, o artigo quinto do Tratado do Atlântico Norte, o qual foi subscrito por Portugal enquanto membro da OTAN:

As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.
Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque serão imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.  

Uma eventual terceira guerra mundial não fica somente nos pensamentos mais distantes. É uma realidade. A este cocktail, juntemos o Médio Oriente.