Todos os anos, na transição do primeiro para o segundo semestre académico, acontece um milagre tranquilo: o da partida de milhares de universitários portugueses para pequenas localidades do país onde, durante uma semana, são missionários. Vão com o espírito evangélico dos primeiros apóstolos de Cristo: uma mochila às costas, dispostos a pernoitar nalgum chão que lhes seja cedido – talvez na escola ou, se não houver melhores instalações, no quartel dos bombeiros – desejosos de levar, às pessoas que lhes coube em sorte visitar, muito da sua fé, do seu entusiasmo juvenil, do seu saber e da sua alegria.

Assim é há já dezanove anos, mas no ano passado, por causa da pandemia, não foi possível realizar a Missão País que, agora, volta a acontecer, embora com as restrições que a actual situação sanitária impõe: são 63 missões, de 58 faculdades diferentes de Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Aveiro, Braga, Leiria, Santarém, Algarve, Madeira, Covilhã e Setúbal. Como explicou Patrícia Oom Cardoso, da equipa nacional da Missão País e aluna do mestrado em Ciências da Educação à Família Cristã, “são mais de dois mil jovens envolvidos em dinâmicas em todo o país.”

Como compete a uma organização exclusivamente jovem, as inscrições fazem-se on line. Mas, quem não estiver muito atento, pode perder a vez: já aconteceu terem ficado completamente preenchidas todas as vagas disponíveis, poucos minutos depois de abrirem as inscrições.

Luís Correia é chefe de uma das missões de alunos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, que terá a seu cargo um grupo de 36 voluntários e 8 chefes de equipa que, acompanhados por um sacerdote, vão passar uma semana em Barreira, Leiria. Apesar das restrições impostas pela pandemia, também este ano as respostas superaram as expectativas: “Foi muito fácil encontrar missionários, o difícil é satisfazer a procura: temos mais de 300 pessoas em lista de espera, que se candidataram à nossa missão e não houve vagas para elas!”

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Em que consiste a missão? Mais do que uma pregação em termos tradicionais, ou até mesmo aulas de catequese, estes grupos procuram sobretudo a proximidade com as populações locais, numa lógica que obedece a uma única ideia: servir. Com certeza que esse serviço passa pelo testemunho da fé cristã, mas não se esgota na transmissão de uns princípios religiosos: os missionários também manifestam a sua fé pela proximidade que procuram viver com toda a população, tendo em especial atenção os mais carenciados. Neste sentido, é tradicional o apoio que procuram dar a instituições de carácter social, nomeadamente a lares da terceira idade, bem como às escolas da povoação. Também ensaiam actuações teatrais, cuja representação é, para além de um divertido espectáculo, uma ocasião propícia para semear sentimentos cristãos entre a audiência.

Uma iniciativa interessante destas missões é o porta-a-porta: ir às casas dos moradores, para lhes oferecer um pouco de companhia. Claro que os habitantes devem ser prevenidos com antecedência, para que não estranhem que uns jovens lhes apareçam com o propósito de os visitar. Geralmente, as respostas são muito positivas, também porque os locais gostam de conhecer caras novas, a quem contar histórias e peripécias já muito sabidas pelos conterrâneos. Como a viola não falta, não é de estranhar que a visita termine numas quantas cantigas entoadas por algum cantor local, a par de uma ou outra música do folclore nacional, ou até do cancioneiro académico.

Os universitários que participam na Missão País também põem os seus conhecimentos ao serviço da comunidade em que são missionários. Neste sentido, o Just a Change é um excelente exemplo de como, tantas vezes, uma mão amiga pode resolver um problema que, de outra forma, seria muito mais difícil, e dispendioso, de resolver. Este programa proporciona um serviço de remodelações e arranjos em habitações mais carenciadas da comunidade local. Imagine-se um lavatório que verte água, um frigorífico que não funciona bem, uma instalação eléctrica em perigo de curto-circuito, ou até a mais prosaica necessidade de mudar um móvel de grande dimensão, numa casa cujos habitantes já não têm saúde, nem idade, para o fazer. Pois bem, a visita dos missionários pode ser a solução: dois ou três universitários, com sumários conhecimentos na área de que se trate, podem resolver um pequeno problema que, contudo, constituía uma grande dificuldade para aquela família, também por não ter meios económicos que lhe permitissem recorrer a um técnico especializado.

Um projecto desta natureza só poderia ser, como é óbvio, cristão, e por isso, a Missão País inclui alguns momentos de oração: o dia de trabalho começa com uma breve prece e termina com a recitação do terço de Nossa Senhora e a celebração da Missa, geralmente pelo sacerdote que acompanha a missão nesse local e que, durante o dia, também está disponível para atender os missionários que queiram recorrer aos seus serviços pastorais, bem como a população local, que por vezes se sente mais à vontade com um padre que não é o do lugar. Claro que cada destino é preparado pela Missão País em diálogo com o pároco local e as instituições autárquicas, que fornecem o alojamento e proporcionam a alimentação dos missionários durante a sua estadia no lugar.

Não obstante a natureza essencialmente religiosa e missionária desta iniciativa universitária, também há quem nela participe sem ser praticante e, até, não sendo cristão, nem crente. Muitas vezes, o entusiasmo de um amigo que fez esta experiência é suficiente para que outros colegas, católicos ou não, também queiram participar. Tomás Morgado, que lidera a missão da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, constatou como vários missionários não católicos, que aderiram à iniciativa por uma razão meramente social, depois descobriram o seu sentido espiritual, aproximando-se da fé. Na realidade, “a Missão País não tem só a vertente externa, tem também uma vertente muito importante, que é a vertente pessoal, e que pode passar despercebida”. Com efeito, como reconhece Patrícia Oom Cardoso, “há aqui qualquer coisa, que só pode ser Deus, que chama todos estes jovens. É impossível Deus não existir, porque um projecto que marca assim as pessoas, e que as chama desta forma, só pode ter algo de muito especial, que não é humano. Só assim se explica que imensos jovens da nossa idade queiram dar uma semana das suas férias, que são pequenas, acordar às sete da manhã para ir rezar e depois ir missionar e ajudar os outros, regressar, rezar o terço e celebrar Missa para depois ir descansar e repetir tudo no dia seguinte. É Deus que toca nos jovens!”

Em tempos idos, Portugal podia orgulhar-se de ser um país missionário, que se dava ao luxo de enviar anunciadores do Evangelho, como Francisco Xavier, Manuel da Nóbrega, João de Brito e tantos outros, para as sete partidas do mundo. Agora, é também um país de missão, que precisa de ser evangelizado: graças a Deus, sacerdotes estrangeiros, nomeadamente africanos e indianos, aceitaram, em geral com excelentes resultados, o desafio de evangelizar Portugal.

Mas esta nova evangelização não pode ser apenas, nem principalmente, uma iniciativa clerical, mas de todo o povo de Deus. A experiência da Missão País, a desenvolver e aprofundar nas Jornadas Mundiais da Juventude, que se realizarão em Lisboa no próximo ano, tem de ser o ponto de partida para uma nova consciencialização, pelo laicado universitário católico, da sua urgente e entusiasmante missão apostólica.