O destino dos dinheiros públicos que financiaram o “Centro de Exposições Transfronteiriço”, caricaturado no centésimo programa “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, é invisível como a origem dos mísseis caídos na Polónia.
Felizmente, há tecnologia para erradicar estas e outras manobras “transfronteiriças”. Com a inteligência, coragem e afinco dos pioneiros da descentralização digital, as novas gerações beneficiarão das garantias de autenticidade e rastreabilidade dadas pela criptografia avançada e irão precaver tais embustes e artimanhas.
Durante a minha investigação sobre as implicações político-económicas da tecnologia blockchain, debrucei-me sobre um artigo do coronel Vincent Alcazar, da Força Aérea Norte-Americana (USAF), publicado em 2017, onde ele destaca a importância crucial da aplicação desta tecnologia na esfera militar.
Segundo o coronel Alcazar, o facto de os avanços militares se resumirem a melhorias na produtividade bélica das máquinas de guerra corresponderia a uma “fraqueza insidiosa” do Departamento de Defesa Norte-Americano. O problema dessa “orientação hardware” é que os dados veiculados nos dispositivos, redes e infraestruturas associadas ao armamento, isto é, as camadas de software que revestem o aparato militar, permanecem “cronicamente vulneráveis”, em benefício do inimigo, pois, nas suas palavras, “entre as perceções recorrentes da história está a de que as vulnerabilidades de um militar — ocultas ou reconhecidas — podem tornar-se peças fundamentais na campanha de surpresa levada a cabo por um oponente.”
A possibilidade de rastrear os artefactos de guerra sem comprometer a segurança é crucial para responsabilizar os decisores militares e garantir a segurança das nações. Assim, não se poderia ocultar a origem de mísseis transfronteiriços nem os utilizar como arma de arremesso. Foi este episódio recente que me fez recordar o artigo do coronel Alcazar.
Em vez de inovar apenas nas características do armamento, este ex-piloto da USAF propõe, no seu artigo, que se faça algo de novo relativamente aos próprios dados, preconizando a utilização da tecnologia blockchain para que os dados na posse dos militares se tornem virtualmente incorruptíveis. A ideia dele é proteger melhor os dados de combate nas forças armadas dos EUA mediante a descentralização criptograficamente assistida, mas tem também o condão de eliminar a desconfiança da mesa das negociações entre inimigos. Afinal, a criptografia destina-se a garantir a segurança da comunicação em ambientes hostis, permitindo transmitir informações relevantes sem comprometer a integridade e a confidencialidade de dados sensíveis. Por outras palavras, com as garantias obtidas graças ao emprego da tecnologia blockchain é possível proteger segredos militares e toda a informação sensível sem obstaculizar a troca de dados fidedignos. Ao retirar a suspeita da equação negocial, abrindo o jogo sem correr o risco de “entregar o ouro ao bandido”, torna-se possível “ampliar o bolo antes de o dividir” e concretizar acordos reciprocamente vantajosos.
Acontece que tais protocolos criptográficos tanto podem ser usados para garantir a incorruptibilidade dos dados no campo de batalha como na arena político-mediática ou nas praças financeiras. Surge, assim, a possibilidade de enveredar pelo tipo de descentralização ética e segura de que a humanidade carece nesta era digital, uma perspetiva aprofundada cientificamente e divulgada aqui no jornal Observador.
Tal como os sistemas militares centralizados são mais vulneráveis a ataques para corromper a informação, também a sociedade civil deve atender à descentralização digital para defender os dados pessoais. Neste sentido, importa tornar fácil e intuitiva a utilização de chaves criptográficas privadas que permitam salvaguardar a privacidade dos cidadãos e contribuir para a manutenção da liberdade. Trata-se de preservar a integridade dos dados e evitar a utilização abusiva de metadados recolhidos a partir das transações efetuadas pelos consumidores. Sem tal garantia, a autonomia política e financeira das pessoas fica comprometida na era digital. O escândalo do Facebook e da empresa Cambridge Analityca, ou as falências do Banco Espírito Santo (BES) e da corretora de criptomoedas FTX, exemplificam bem o risco de confiarmos a terceiros os nossos dados pessoais e o nosso dinheiro. Como se diz na emergente indústria dos criptoativos, “not your keys, not your coins.”
Claro que a falência destas e de outras instituições financeiras se ficou a dever à má gestão. No entanto, como as criptomoedas são uma realidade nova e ainda mal compreendida, a desinformação aumenta a insegurança dos investidores e do público em geral. Afinal, não passa pela cabeça seja de quem for atribuir à moeda euro a culpa pela queda do BES e de outras instituições financeiras, mas as “notícias” facilmente responsabilizam as criptomoedas por todas as falências registadas no universo dos criptoativos. Na verdade, a desinformação “anti-criptomoedas” é trágica para a humanidade, pois impede a disseminação da confiança distribuída e descentralizada que elas representam. Esta desinformação não resulta apenas da ignorância, mas também de interesses instalados que não querem ver alterada a cor do dinheiro. Felizmente, alguns espíritos livres não desanimam e estão a tratar deste assunto.
Empreendedores como Elon Musk, Jack Dorsey, Eugen Rochko, Stani Kulechov, Jacob Antoine, Justin Rezvani e muitos outros trabalham com afinco no desenvolvimento de redes sociais descentralizadas e ainda bem, já que a futura transparência das transações começa na criação de redes digitais tecnicamente distribuídas e politicamente descentralizadas. Só assim será possível conciliar a privacidade e a propriedade individual com a conveniência e o interesse público do acesso à informação fidedigna. Esta quimera da era industrial passa a ser viável no novo enquadramento ético da sociedade digital, permitindo harmonizar realidades outrora inconciliáveis, como a transparência dos dados e a segurança da informação. Para tal, basta não desinformar as pessoas acerca das chaves privadas que realmente protegem os seus interesses na era digital.