Muito se disse e a muito se assistiu nestes dias passados.
Muito se escreveu.
Muitas imagens se viram.
Muito sangue se derramou.
Muitas vidas se perderam.
E muitos perderam tudo com a própria vida.
Muito se disse sobre medo, de ataques nucleares às próprias perdas de vidas.
Muito se opinou sobre Putin e os tiques imperialistas.
Muito se escreveu sobre a impossibilidade de Putin poder salvar a face em função do curso dos acontecimentos.
Muito se disse sobre Zelensky e a habilidade com que comunicou, galvanizou, uniu e liderou.
Muito se postou sobre a mudança do mundo e a formação de novos blocos geo-estratégicos.
Muito se dissertou sobre como seria possível acontecer uma coisa destas numa altura destas.
Muito. E pouco.
Pouco se disse sobre o que é a essência da Ucrânia.
Pouco se disse sobre a visão aprofundada de Kissinger, e de outros experientes analistas, a propósito daquele país soberano. E quando se disse foi para justificar uma posição para um dos lados.
Pouco se disse, por um lado, sobre a antiga Rússia de Kiev, que não era mais que uma federação de tribos eslavas, mas, por outro, também pouco se disse sobre quantas Ucrânias cabem dentro da Ucrânia. A do Oriente, falando principalmente russo e de raiz Ortodoxa e a do Ocidente, essencialmente Católica e falando ucraniano.
Pouco se falou sobre as tentativas de um lado dominar o outro e os falhanços que isso originou e originaria.
Pouco se escreveu sobre a vontade da própria Ucrânia, ou das Ucrânias, em escolherem livremente as suas associações económicas e políticas.
Pouco se disse sobre a soberania da Ucrânia, no sentido mais amplo, e da legitimidade democrática que tem o governo e o povo que a habita e, inclusive, a liberdade que deve ter de tomar conta dos destinos da Crimeia.
Pouco ou nada se visitou a sua história, desde a época tribal, passando pela ocupação mongol, a presença do império Austro-Húngaro ou os Otomanos e as raízes que deixaram nas suas populações. Ou a parte da história em que se dividiu o território entre Polónia e República Russa.
Pouco se falou em como Putin se tornou num alibi não apenas para o lado Ocidental, que já era, como agora e também para o lado Oriental, onde poderia colher outro tipo de simpatia. E como passou de alibi a alvo estratégico a abater.
E pouco se disse em como esta guerra apenas contribuiu para unir o que muitas vezes andou desunido ou uma Ucrânia a duas vozes.
Isto dito e aqui chegados, a Ucrânia tem de ser deixada com a própria Ucrânia.
Um facto que não ouvi referido é o de que a Ucrânia é a República Popular da Ucrânia desde 1918. E considerada para todos os efeitos como um país capaz de fazer as suas escolhas.
Desta forma, Putin apenas invadiu o que não é seu. Fez tábua rasa a acordos e usou desculpas e cenários para tapar de forma ignóbil os desastres económicos que tem tido, o seu apparatchik, a sua tendência imperialista e a sua mania das grandezas. Para já não falar no seu novo riquismo chocante. E para isso mais não é necessário do que observar aquela mesa ovalada enorme, branca, onde senta em frente – a quilómetros de distância – os seus interlocutores.
Glória à Ucrânia. Paz na Ucrânia. Devolvam a vida aos milhares de inocentes.
Porque muito e pouco se transformarão rapidamente em nada.
PS. Aderi desde a primeira hora a um movimento que criou uma plataforma de ajuda a refugiados Ucranianos – e outros – que se designa por WeHelpUkraine.Org. Não estando tudo pronto – nunca está – é uma tentativa louvável de se colocar no ar uma forma de ajuda humanitária usando o digital. Parabéns ao Hugo de Sousa pela ideia e pelos passos que todos temos dado com ele.