Sempre há exceções mas, de um modo geral, muitas mulheres ficam apreensivas com a ideia de não encontrar alguém com quem possam compartilhar a vida a longo prazo. E é essa mesma apreensão que faz com que milhões delas flexibilizem demais os seus parâmetros para encontrar um parceiro, bem como permaneçam em relacionamentos no quais, evidentemente, não estão felizes.

Obviamente esse medo é fruto da pressão que recai sobre as mulheres acerca da necessidade de formarem uma família. Um exemplo que uso muitas vezes nas palestras que dou é o “efeito festa de família”. Mulheres, desde muito novas, ao chegarem a eventos familiares, ouvem uma sequência universal de questionamentos: e os namoradinhos? Quando sai esse casamento? Quando vem um bebé? Quando vem o próximo? Não vai ter mais um? Como vai o casamento? Quando vem um neto? Por outro lado, os questionamentos feitos aos homens nesses mesmos eventos costumam se resumir a trabalho e futebol.

O que podemos concluir observando esse cenário? Que mulheres, desde muito cedo, são convencidas de que suas existências não bastam por si mesmas. Ou seja, que o valor delas está totalmente atrelado aos anexos que elas trazem para o evento familiar (e carregam consigo ao longo da vida): um namorado, uma aliança, um marido, um bebé, outro bebé, uma estrutura familiar estável, netos. Já os homens aprendem desde cedo que seu valor reside em si mesmos: suas carreiras, suas ideias, suas opiniões desportivas, suas piadas.

Mulheres são doutrinadas desde crianças para assumir a ideia de que ficarem sozinhas é o mesmo que falhar, já que a noção de incompletude da mulher é reiterada inúmeras vezes ao longo da vida. Isso explica o porquê de homens solteiros serem vistos como garanhões ou espécies de Don Juan, que não se casam por opção, enquanto mulheres solteiras são vistas como as que não conseguiram encontrar ninguém. E boa parte do “medo de ficar sozinha” das mulheres é o medo de serem vistas como falhadas.

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Tudo isso já é grave, triste e opressor ao mesmo tempo. No entanto, talvez a parcela mais grave desse assunto seja o facto de que esse mecanismo não sustenta apenas a permanência de mulheres em relacionamentos sem amor. Ele sustenta a permanência de mulheres em relacionamentos tóxicos, abusivos e até violentos. A ideia de que é socialmente mais bem visto estar num relacionamento do que estar sozinha, legitima uma série de justificativas mentais para permanecer em ambientes nocivos à saúde física ou psicológica de milhões de mulheres ao redor do mundo.

Pode parecer cliché dizer que toda mulher basta por si só. Dizer que o valor feminino reside na essência de cada mulher, assim como o valor masculino reside na essência de cada homem. Dizer que estar sozinha é uma escolha válida, por vezes muito mais bem-sucedida do que a escolha de permanecer em relações ruins. As mulheres não sairão de relacionamentos tóxicos enquanto não aceitarem genuinamente que as suas existências não estão condicionadas ao cultivo de um coletivo familiar – e que estar sozinha não tem nada a ver com egoísmo ou com fracasso. Muitas vezes estar sozinha tem a ver com sobrevivência. Como diria Simone de Beauvoir, que nada nos defina, que nada nos sujeite, que a liberdade seja a nossa própria substância.

Todos os sábados na Rádio Observador, logo depois do noticiário das 14 horas, Ruth Manus convida mulheres notáveis para falar sobre a vida, amores e desamores, filhos e trabalho. Conversas descontraídas que os homens também devem ouvir em Mulheres não são chatas, Mulheres estão exaustas