«Fátima e Balasar, duas terras irmãs» (Pe. Humberto Pasquale)

«Porque nós não temos de lutar contra adversários de carne e osso, mas contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos do mal que habitam as regiões celestes». (Ef 6, 12)

Excerto provindo da segunda (caso sejam três; senão primeira) leitura (Ef 6, 10 – 13.18) própria da memória litúrgica da Beata Alexandrina Maria da Costa, natural de Balasar (Póvoa de Varzim) [futura santa portuguesa], celebrada a 13 de outubro, na arquidiocese de Braga, e aquando do aniversário da sua beatificação, que ocorreu há precisos 19 anos, a 25 de abril de 2004, na paróquia de Sta. Eulália de Balasar – 25 de abril, dia de relevantíssima importância para todos os portugueses, visto celebramos a liberdade, nunca totalmente adquirida e garantida e sem a qual não há modo de verdadeiramente vivermos.

Fátima, o “Altar do Mundo” (1917)

Assim como o nascimento de Jesus foi anunciado pelo Arcanjo São Gabriel, também as aparições de Nossa Senhora aos pastorinhos foram preparadas, por meio de três aparições do Anjo de Portugal, depois das quais, os pastorinhos de Fátima passaram a ter uma vida de oração e sacrifício muito mais intensa, tudo oferecendo em reparação pelos pecados cometidos contra Deus e pela conversão dos pecadores.

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Na terceira aparição de Nossa Senhora de Fátima, foi revelado a Lúcia um Segredo constituído por três partes, que seriam reveladas, posteriormente, nas demais aparições. São eles, nas próprias palavras de Lúcia:

1ª parte – A visão do Inferno (a certeza da sua existência: a excomunhão com Deus. Excomunhão, essa, por parte do Homem, não de Deus; não importa saber como é, onde é; é um estado, é ser sem Deus).

2ª parte – Devoção ao Imaculado Coração de Maria e Conversão da Rússia

3ª parte – A última revelação do Segredo

O testemunho dos pastorinhos de Fátima regista que, na aparição de 13 de julho de 1917, Nossa Senhora disse-lhes: «Para impedir a guerra virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora nos Primeiros Sábados; se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará» – esta é a esperança que deve animar todo o crente! Em resposta aos pedidos, o Papa consagrou o mundo e a Igreja ao Imaculado Coração de Maria, a 31 de outubro de 1942 e renovou a consagração da Rússia, a 7 de julho de 1952.

De igual, modo, mais adiante – para quem, porventura, desconheça –, por meio da Beata Alexandrina de Balasar, também, foi solicitada a consagração ao Imaculado Coração de Maria, desta feita, do Mundo.

Em 21 de outubro de 1937, declara Jesus: «Minha filha, escolhi-te para coisas muito sublimes; servi-me de ti para comunicar ao Papa o meu desejo de que o mundo seja consagrado à Minha Mãe Santíssima». Posteriormente, a 31 de outubro, Pio XII, aos microfones da rádio, dirigindo-se em português aos peregrinos que em Fátima celebravam os 25 anos das Aparições (não é por acaso!) e ao mundo inteiro, proclama, de Roma, a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria.

Posto isto, embora muitos clérigos tenham receio em falar destas realidades celestiais malignas – muito, porque no passado, esta assentava numa cultura de medo e terror, nem sempre esclarecido –, estas são imperativas e estruturais, não sendo inteligível as situações trágicas e abomináveis que nos assolam, tantas vezes, sem a inteleção do bem e do mal, da graça e do pecado, de Deus e do Demónio.

É Paulo quem faz essa veemente exortação – nos versículos supracitados –, acerca da batalha espiritual, que os crentes enfrentam (cf. Ef 6,10 – 20).

Essa luta que não é contra adversários de carne e osso, perdurará até ao final da presente era até o dia do glorioso retorno de nosso Senhor Jesus Cristo (parusia) [cf. Ap 22, 20]. Aliás, o tempo litúrgico do Advento, mais que fazer a memória grata e jubilosa em ação de graças da primeira vinda de Cristo, sem a qual não haveria redenção, assenta, muito mais, na preparação da segunda e última.

Assim sendo, como travar o bom combate da fé (cf. 2 Tim 4, 7 – 8)?

Paulo, de imediato, identifica quem são os nossos verdadeiros inimigos. Diz-nos que lutamos contra os “principados e potestades”. Assim sendo, ele apresenta, clara e distintamente, a realidade das hostes espirituais de seres malignos – assim, por nós designadas, porque entendendo serem-nos nefastas (pode haver quem assim não o entenda) – , que procuram governar este mundo, a fim de que este mundo não seja – como no Pai Nosso assim explícito –, o Reino (termo, atualmente, em desuso, que não é outra coisa senão uma teocracia) de Deus, aqui na terra, como já o é, no céu.

Aqui, porém, é necessário fazer uma ressalva acerca da soberania divina. É verdade que os principados e potestades já foram derrotados por Jesus Cristo na cruz (cf. Col 2, 15), contudo, isso não significa que, agora, estejam inoperantes. Eles são inimigos derrotados que estão destinados ao juízo eterno da sua condenação, no entanto, tentam o mais possível a que muitos outros (agora, o ser humano) os sigam, nessa atitude, de excomunhão com Deus.

Como poderia Deus fazer – pergunta-se, atónito, Satanás –, de seres de corporeidade material falível, seus filhos – na ordem da criação, não da geração (este só Cristo) – , tal qual como os anjos? Mais ainda, filhos adotivos no Filho unigénito Jesus, por meio do batismo, sacramento pascal? Esta situação levou a que seres perfeitos de “matéria” espiritual, no exercício pleno da sua liberdade, tal como o homem – nenhum filho de Deus é escravo –, pela inveja e o ciúme – raiz de toda desavença – (cf. Gn 4), tenham decidido rebelarem-se contra o próprio Criador, porque, segundo estes, Deus amava mais o ser humano que os anjos.

Que falácia e pecado tão humano os levou a crer que Deus não amasse a todos os seus filhos, por igual. Satanás julgou-se Deus, podendo ditar o que Deus devia ou não fazer (pecado original: ser como Deus [cf. Gen 3]). Daí que o seu antípoda, o príncipe das milícias celestes que, em comunhão com Deus, retirou do seu espaço os que com ele não estavam, se chame Miguel (“Quis ut Deus?” [Quem como Deus?]).

Estes acabaram por ser expulsos do Paraíso (comunhão com Deus) e foram para o Inferno (excomunhão com Deus) [cf. Ap 12]. Frustrado, revoltado e julgando-se, alegadamente, injustiçado, desprovido de possibilidade de retorno – pois recusou-a com a sua atitude de excomunhão com o Criador –, Satanás só viu – ardendo em cólera, ódio e raiva –, um modo de vingar-se e infringir sofrimento ao próprio Deus: tentar os homens a, tal como ele e seus sequazes, viverem em excomunhão com o seu Criador – o Catecismo da Igreja Católica, publicado pelo santo Papa Pio X, afirma que o demónio «por ódio a Deus, tenta o homem ao mal».

Todavia, desengane-se quem pense que, por tomarmos a mesma opção do demónio – excomunhão com Deus –, este fará uma festa connosco! Justamente o seu contrário. Fomos o “motivo” da sua rebeldia ciumenta. O demónio despreza-nos, odeia-nos, quer somente a nossa desgraça, mas, conseguindo ludibriar o ser humano, este, no exercício plena da sua liberdade, poderá recusar o seu Criador, um Deus de amor (cf. 1 Jo 4, 8).

Não ferindo diretamente Deus – pois, criatura –, fere-O, indiretamente, através de nós, separando um filho de um pai. Como pode um Pai, que só sabe amar, receber tamanha ingratidão de um filho o deixar? O inferno, a opção de viver sem Deus, em excomunhão com Ele, o pecado original: a condenação – para alguns, até poderá ser, quem sabe, “salvação” –, não ter de viver com e segundo Deus. A condenação surge sempre desta postura obstinada da recusa de Deus e, por conseguinte, não viver de acordo com os valores que Deus, pelo seu filho Jesus, nos apresenta. Como é de todo óbvio, ninguém é obrigado a viver com quem não se revê ou identifica moralmente, pois seria “matar” a sua liberdade.

Há que perscrutar os sinais dos tempos. Todavia, isto não significa, de modo algum, uma rendição ao mundo ou aceitação incondicional das suas contradições, «representa, pelo contrário, um convite ao qual não podemos deixar de confrontarmo-nos com ele: a olhar, com olhar atento e acutilante, na história humana um “signo” que deve ser lido com atenção e interpretado, como elucida a “Gaudim et Spes”, “sub Evangelii luce” [= sob a luz do Evangelho], para aí descobrir quanto nela pertence ao homem movido e inspirado por Deus, e quanto, pelo contrário, pertence à soberba, ao egoísmo, à falta de justiça e de caridade do homem que se afastou do espírito de Deus». (Andreotti, Giulio. Testimonianza sul Concilio Vaticano II, p.12).

Não temais pequenino rebanho (cf. Lc 12, 32 – 34). Ninguém sabe o dia ou a hora do segundo advento Crístico (cf. Mt 24, 36); nem importa saber. Só uma coisa importa, a qual traduz as expressões reiteradas pelas aparições marianas em Fátima (penitência, conversão, arrependimento, reparação, etc). Nada mais é que o reiterar o «arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15), proferido por Cristo.

«Pois, quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada? (…) Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!» (Rom 8, 35 – 39).

Como pudemos perceber, na liberdade de filhos de Deus (cf. Gl 5, 1), nada nem ninguém nos pode separar do amor de Deus. Salvo uma exceção – toda a regra tem a sua: o próprio!