Este domingo, há eleições para o Parlamento Europeu. Eu sei que você sabe disto; o que nem eu nem você sabemos é o resultado. Certo. Também sei que nunca sabemos – mas, normalmente, fazemos uma ideia; desta vez, não fazemos ideia nenhuma. As Europeias atraem, tipicamente, menor participação eleitoral, suscitam menos estudos de opinião e, desta vez, ainda se soma o insólito de serem as quartas eleições do ano – e ele ainda nem vai a meio. Temos tido tantas eleições, tantas campanhas eleitorais, que os candidatos, sem saberem já do que hão-de falar, até começaram a falar de assuntos europeus, imagine! De políticas de imigração, opções das suas famílias europeias e assim. Na prática, porém, não sabemos como o eleitor vai reagir. Giro aquilo do voto antecipado. Muito giro aquilo do voto em mobilidade. Mas, epá, quatro eleições e ainda vamos em Junho? E é fim-de-semana grande e tudo?  Espera aí que eu já te atendo.

No entanto, é importante que saiba: nada disto é contra a Europa. Nenhuma eventual abstenção visível da Lua. Nenhum resultado estapafúrdio. Qualquer estudo recente mostra isto: os portugueses são os mais europeístas dos europeus, o país com melhor imagem da União Europeia. Até António Costa disse na despedida de primeiro-ministro, para descansar os parceiros: não se preocupem com o crescimento da extrema-direita em Portugal; eles nunca apoiaram políticas anti-europeístas. Claro que não – como poderiam? A extrema-direita noutros países queixa-se da Europa porque os obriga a dar dinheiro; a nossa ia queixar-se de quê? De receber? A nossa extrema-direita ainda lhe quer é ir pedir mais!

Os portugueses gostam da Europa porque nos tirou do século XIX. Porque, depois dos séculos das grandezas, entrámos em 200 anos de retrocesso socioeconómico que nos mandou de volta para a agricultura quando os outros já chegavam à Lua. Desde o fim da primeira dinastia que o sabíamos: Portugal, isolado num extremo do continente e bloqueado por Castela, nunca seria economicamente viável; tinha de sair, ir para o mundo. Daí o investimento na expansão. Terminado esse tempo, com a independência dos últimos territórios ultramarinos, era ir para a Europa ou ir ao fundo. Só os dinheiros europeus permitiram que um país cronicamente deficitário pudesse investir como este investiu, dos anos 80 até aqui, em educação, saúde, vias de transporte, infraestruturas energéticas, enfim, em tudo o que se investiu e que, apesar dos pesares, elevou os portugueses de hoje a um patamar de vida com que, nos anos 70 e malgrado o crescimento histórico da década anterior, apenas podíamos sonhar.

Mas não é só porque nos dá uma mesada que gostamos da Europa. Gostamos da Europa pela mesma razão que nunca sucumbiremos, realmente, à extrema-direita: porque somos o menos nacionalista dos povos europeus. Sim, sim. Bem sei. Orgulhosos, claro; provincianos, quantas vezes? Adoramos falar das nossas grandezas antigas ao primeiro turista incauto que puxe conversa. No discurso do melhor do mundo, ninguém nos agarra: o melhor futebolista, o melhor bacalhau, o melhor clima (e o mérito que temos nisso). Morremos de saudades como mais ninguém por causa deste amor irreparável à terrinha (até nos convencemos de que mais ninguém tem essa palavra). Mas, caramba, sabe no que é somos mesmo os melhores do mundo? Na autocrítica. Não é só adorarmos viperinamente dizer mal de nós mesmos; é termos realmente uma consciência incomparável dos nossos defeitos.

Nós gostamos da Europa porque sabemos que precisamos dela para nos pôr na ordem. Desde que não nos trate mal, desde que seja fofinha, desde que não se atreva a dizer mal de nós porque, para isso, estamos cá nós, a Europa pode vir sempre que quiser. Para impor regras, para acabar com a brincadeira, para aparecer com um plano qualquer, uma estratégia, ao menos um horário. Nós somos muito bons, muito bem-mandados, mas não nos deixem tentar orientar isto sozinhos. Racismo? Xenofobia? Caros amigos, há um povo de que os portugueses dizem muito mal, um povo que os portugueses por vezes desprezam, um povo de quem os portugueses estão fartos: os próprios portugueses. Por cada português que diz mal dum estrangeiro, há 100 que dizem mal dos próprios portugueses. Somos autorracistas. Presunçosos. Estamos intimamente convencidos de sermos superiores a nós mesmos. Um dia destes, saímos em manifestação contra nós mesmos – se arranjarmos um estrangeiro que organize.

Não sei quantas pessoas irão votar domingo, mas garanto que não serão menos do que as que estarão segunda-feira nas comemorações do dia de Portugal. É que a questão é esta, querida Europa: não és tu, somos nós.

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