Revisitei as minhas miniférias.

Notei que não há trabalhadores portugueses em cafés, restaurantes e supermercados. Não sei para onde foram, mas, mesmo os sazonais, desapareceram quase todos. Notei que há imensas novas nacionalidades entre os portugueses – e bem precisamos delas. Notei o óbvio, i.e., que o país está sequíssimo e, não obstante isto, se vai ainda vendo, em duche de praia e contra todas as proibições, malta a tomar banho de gel e shampoo. Notei que os portugueses queriam fazer férias à força – party hard – e notei, infeliz e finalmente para primeiras impressões, que o cumprimento dos horários dos estabelecimentos comerciais são para inglês ver. Ora fecham mais cedo, ora têm horários de almoço prolongadíssimos, ora estão mesmo fechados contra o “aberto” do Google. Falta de colaboradores, vamos admitir.

Até aqui, portanto, tudo bem. Tudo normal. Em conversa com amigos vão-me dizendo que é tudo já antigo e que sempre assim foi. Aceito que sim. Nem parei muito para pensar a não ser porque o estou agora a escrever.

Mas o que notei de verdadeiramente preocupante nestas miniférias?

Notei uma falta total de pequenos favores de custo zero. Simpatia, apenas. Ao “pode por favor dar-me um copo com água” responde-se agora que só se vende em garrafa. Isto no final de uma refeição. Os meus amigos também me dizem que já era normal.

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Notei, porém, que se acentua a falta de contemplações. A falta de comiseração. A falta de empatia para com os outros. A falta de consideração. Isto sim, são sinais alarmantes. E não são apenas geracionais. São transversais a todas as idades.

Alguém aflito ou visivelmente maldisposto e ninguém para.

Um carro parado ou um acidente de madrugada e ninguém se digna ajudar.

Uma senhora idosa a tentar colocar o lixo num recipiente daqueles verdes grandes, sem força, é um problema, chega a ser um empecilho, pois é preciso é nem olhar para ela. E ninguém se detém para a ajudar.

Um malandro parado na portagem é um malandro. Não consegue passar. Alguém que saia do carro e vá ajudar? Não, é preferível, contra tudo e todos, tocar a buzina e produzir um som estridente.

Um adulto de idade indefinida que caia na rua não tem ninguém para ajudar. Mexe-te, “pensará” quem passa. Ou nem isso.

Um senhor tropeça e cai na praia e a melhor palavra para definir o ambiente geral é… “paciência”. Desenrasca-te.

Até uma criança a chorar, sozinha ou perdida, que outrora faria virar olhares e levantava preocupações, agora nada. É como se não existisse. É como se não fosse pessoa, quanto mais criança. Que se encontre, ora bem.

Alguém viu que apenas havia um jornal final à venda e uma pessoa à espera dele. Pois se aparecer alguém mais “inteligente” o jornal é desse “inteligente”. “Toma que te passei para trás”.

Se se espera por uma mesa de esplanada é bom que se espere colado à mesa. A agarrá-la com as duas mãos para ela não fugir e mesmo antes de os clientes anteriores se levantarem. Porquê? Porque há sempre alguém que, na desatenção de quem espera ou mais do que sabendo que há fila, vai deixar alguém apeado e “tira” a mesa. Esperteza, apenas. Com a qual os cafés ou esplanadas compactuam. Ou nem ligam.

E quando se espera por um lugar para estacionar é melhor mandar alguém para fora do carro, se andarmos acompanhados, para sinalizar que se espera. Senão, alguém vem de não sei onde e estaciona mesmo o carro. Não importa quem espera e, se espera, é porque quer esperar.

Não é bonito o que notei nestas férias em matéria de sensibilidade para com os outros. Das duas uma: ou a cultura portuguesa está a mudar ou há aqui qualquer fenómeno estranho que tem a ver com pandemia a mais e educação a menos. Porém, paradoxalmente, um carro abranda a perguntar o caminho e ou as pessoas se afastam ou falam todas umas em cima das outras na velha procura de ajudar. Aqui sim, ainda notei Portugal apesar do GPS.

Dito isto, fico a pensar na conclusão sobre o que se passa. E só tenho uma, faltando-me outra melhor: nota-se a total ausência de contemplação. De qualquer tipo de preocupação e empatia para com terceiros.

Há um excesso de individualismo e posições e manifestações odiosas e incompreensíveis nas redes sociais. Disso sabemos todos e nem vale a pena parar para pensar.

O problema, agora, é que me parece que estamos também a passar à força toda esse “ódio” digital para o mundo real. Para isto podemos arranjar as desculpas que quisermos, mas isto é já (os digitais também) um sinal cultural. E não é dos bons. Espero, sinceramente, que a minha perceção esteja enviesada, mesmo errada, porquanto as minhas foram mesmo umas miniférias. Sobre estes aspetos, nada comentei ainda com os meus amigos.