Têm-se multiplicado os apelos à paz nas páginas da imprensa portuguesa nos últimos tempos. Um partido importante na história política portuguesa, o PCP, tem liderado uma campanha pelo fim dos apoios à Ucrânia em nome da paz já. Com a chegada do inverno e o acumular de dificuldades económicas é provável que esta tendência ganhe peso na Europa. Agora que todos começam a perceber que mesmo uma guerra distante significa que teremos de pagar um preço por defender os nossos valores e os nossos interesses, proliferam os autodesignados defensores da paz. Muitos são na verdade defensores de “não me peçam sacrifícios a mim”, quando não são defensores das mais violentas e militarizadas ditaduras do Mundo, desde que estejam alinhadas com uma visceral aversão aos Estados Unidos. Perante a falta de argumentos válidos, esta posição só pode ser defendida com muita indignação e a aposta em criar uma confusão embrulhada num suposto pacifismo. Importa, por isso, esclarecer alguns pontos fundamentais.

Paz, mas não a qualquer preço

Quem, perguntam estes pseudopacifistas, pode ser contra a paz? Eu não sou certamente. Sou sim contra uma paz a qualquer preço. Sou contra uma cínica manipulação do valor da paz para se defender a rendição perante o regresso da guerra de conquista à Europa. Sou contra a ideia errada de que fornecer armas à Ucrânia é um obstáculo a negociações. Sou contra o facto de se esquecer que a principal causa desta guerra é a ambição imperial de Vladimir Putin, que escolheu invadir um país vizinho, apesar de ter sido repetidamente avisado de que isso teria um custo, desde logo em termos de sanções. Sou sobretudo contra normalizar-se o regresso das guerras de conquista e anexação.

Há que reconhecer que existem questões sérias e difíceis que a ampla simpatia na opinião pública pela Ucrânia não deve ocultar. É verdade que uma completa derrota da Rússia está longe de estar garantida, por muitos problemas que tenham sido revelados pelas Forças Armadas russas. Uma guerra é o reino da incerteza, e estamos a falar de uma potência nuclear e de um regime cada vez mais autocrático que esmaga a oposição. É verdade que um conflito prolongado terá um custo elevado para todo o Mundo. Mas a história mostra que muitas vezes na política internacional não existem boas opções, apenas menos más. E a opção menos má neste caso é continuar a fazer pagar um preço elevado à Rússia pela sua invasão, é apoiar militar e economicamente a Ucrânia enquanto quiser continuar a combater, é procurar criar condições mais favoráveis para negociações em condições aceitáveis para Kiev e que ajudem a dissuadir futuras agressões.

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O falso e o verdadeiro pacifismo

No contexto atual apelar à paz já e ao fim imediato dos apoios à Ucrânia e das sanções à Rússia significa defender a rendição perante o expansionismo de Putin. Isto não é uma questão de opinião minha, são declarações dos próprios responsáveis da Rússia, do MNE Sergei Lavrov até ao inefável Dimitri Peskov, que têm deixado claro, com louvável clareza, ser a rendição de Kiev a condição de Moscovo para paz já com Ucrânia. Defender isto está muito longe de ser verdadeiro pacifismo.

Eu não sou pacifista, confesso. A minha leitura da história leva-me a concluir que a guerra é um mal, mas muitas vezes é um mal menor inevitável para defender valores maiores. Também não me parece que tenha perdido validade a velha máxima romana da dissuasão da agressão: se queres a paz, prepara a guerra, e fá-lo com credibilidade suficiente para convencer um potencial inimigo de que atacar não valerá a pena. Num Mundo onde são cada vez mais os Estados que reforçam o investimento nas Forças Armadas, onde proliferam as ditaduras fortemente armadas, a paz e a defesa da liberdade implicam manter uma força credível. Seja força própria, seja força em conjunto com aliados fiáveis como é o caso na Aliança Atlântica. Dito isto, tenho genuíno respeito pelos verdadeiros pacifistas.

O verdadeiro pacifismo vai de par com a aposta corajosa na não-violência e é o oposto do que tenta passar por pacifismo nos últimos meses em Portugal. Pacifismo não é recusa egoísta de sacrifícios ou ignorar os valores que estão ameaçados, é a aceitação inclusive dos maiores sacríficos, da liberdade e da própria vida, por uma causa. É, como dizia Ghandi, estar disposto a morrer por uma causa, mas não a matar por ela. Portanto criticar apelos egoístas ou cínicos à paz não é ser inimigo da paz ou do pacifismo, é defender estes últimos duma apropriação indevida.

Não ao anticomunismo

Dizer isto também não é ser anticomunista. Desde logo numa democracia qualquer partido pode ser criticado pelas suas posições. Já repararam que ninguém fala em antissocialismo ou antiliberalismo ou anti-PSDismo? O anticomunismo é uma invenção do PCP e dos seus aliados para tentar condicionar a crítica normal a qualquer partido num regime pluralista. É também mais um sinal de que o PCP não aceita ser um partido normal numa democracia pluralista, e não tem uma verdadeira cultura democrática. Os comunistas continuam a ver-se como uma autodesignada vanguarda do povo, qualquer crítica de que sejam alvo é transformada num ataque ilegítimo.

Ainda mais curiosa é a posição de uma certa esquerda complexada à portuguesa que parecer crer que defender o PCP é uma forma de mostrar o seu amor à causa. O que é tanto mais irónico quanto acaba geralmente numa defesa de que não devemos dar grande importância ao que PCP diz a respeito da Ucrânia. Eu tenho demasiado respeito pelo PCP – que como eu acha que a pobreza continua a ser um problema sério, que a raça não substitui a classe, e nunca temeu tomar posições impopulares – para adotar esse parternalismo condescente.

É verdade que durante muito tempo os recorrentes elogios do PCP às piores ditaduras do Mundo – da Síria de Asad à Venezuela de Maduro – não pareciam muito relevantes. Hoje a questão da Ucrânia é incontornável, nela joga-se o futuro da paz, da liberdade, da prosperidade na Europa. E a tendência comunista para defender os regimes mais repressivos desde que sejam suficientemente antiamericanos leva o PCP a defender a rendição perante o regresso das guerras de conquista à Europa. É justo reconhecer que o PCP até ataca Putin, mas só quando este critica a sagrada União Soviética. Sobre a invasão da Ucrânia o PCP e os seus aliados insistem que o problema não são os 200.000 soldados que Putin lançou contra esse país, eram os menos de 5.000 soldados que a NATO tinha enviado a partir de 2017 para os seus Estados membros mais diretamente ameaçados pelo expansionismo russo. É impossível deixar passar em claro estas posições ou deixar que passem por uma forma de pacifismo.