Às antigas potências da Europa ocidental, deu sempre jeito a protecção dos EUA, que as dispensou de se preocuparem com a sua própria defesa. Isso, porém, não impediu que ressentissem a “hegemonia” americana. Daí, a recorrente exigência de que os EUA se portassem como um país igual aos outros. Mas agora, que essas preces foram atendidas, parece que os europeus não gostam.
A história torna-se mais complexa quando inclui a ambivalência americana sobre a sua missão no mundo. Os EUA emergiram como primeira potência, não no fim da Segunda Guerra Mundial, mas da primeira. Só que em 1918, escusaram-se a pagar o preço de zelar pelo planeta. Não apenas pelos custos, mas porque recearam que o policiamento internacional subvertesse o seu regime de governo limitado e administração mínima. O máximo que se propuseram fazer, nos anos 20, foi ajudar a restabelecer o comércio livre internacional. Mas quando, no fim da década, a crise lhes bateu à porta, não tiveram dúvidas em recolher-se, cancelando créditos e protegendo-se com barreiras alfandegárias (sobre tudo isto, ver o livro de Adam Tooze, The Deluge. The Great War and the Remaking of Global Order). São conhecidas as dificuldades de Roosevelt em romper esse “isolacionismo” entre 1939 e 1941. Em 1945, porém, com os tanques soviéticos na Alemanha e enormes partidos comunistas em França e em Itália, qualquer retirada americana teria significado a entrega da Europa a Estaline. Foi preciso ficar. As elites americanas aderiram então à ideia de um destino mundial, como guardas do “mundo livre”. Para muitos críticos dessa opção internacionalista, foi apenas o começo da transformação da velha república num império. Desde 1989, sem o comunismo, houve logo quem exigisse os “dividendos da paz”. Os europeus, muito ocupados a resmungar sobre o “mundo unipolar”, não deram por isso. Mas Bill Clinton foi o último internacionalista genuíno, convencido de que os EUA podiam precipitar o “fim da história”. Em 2001, George W. Bush começou por condenar as intervenções humanitárias, e só o 11 de Setembro o desviou do “neo-isolacionismo” que todos previram. Barack Obama, porém, já pôde aproveitar a extinção da crença na universalização da democracia para cruzar os braços sempre que possível, como na Síria.
A fixação doentia em Donald Trump impede-nos de ver o que se está a passar. O primeiro agravamento dos direitos alfandegários sobre aço e alumínio é de Bush, em 2002. A tentação de apaziguar a Rússia é antiga: Bush deixou Putin invadir a Georgia em 2008, e Obama entregou-lhe o que ele quis da Ucrânia em 2014.
Não, Trump não é o começo desta história. E também não será o seu fim. Trump tem as suas excentricidades. Mas é fundamentalmente o presidente de uma época em que os EUA voltaram a ser um país como os outros: um país que propõe “negócios”, e não alianças, e que exige aquilo que desde 1945 já ninguém esperava dos EUA — “reciprocidade”. Um país, em suma, que faz o que os outros fazem. Os europeus acusam Trump de complacência para com Putin, mas eles próprios financiam a autocracia russa através da sua dependência energética. Exaltam-se porque Trump protege o aço e o alumínio, mas não se envergonham do seu próprio proteccionismo agrícola, um dos maiores obstáculos ao comércio livre no mundo.
A Europa tem razão para estar inquieta. Porque tal como o seu papel internacional afectou o regime americano, a responsabilidade pela própria defesa afectará os regimes europeus. Durante décadas, os europeus puderam deixar o Estado social absorver os seus orçamentos, confiantes em que a despesa militar estava por conta dos americanos. Sem os EUA, vão ter de aprender a viver de outra maneira.