1 Como muitos outros, e também por dever profissional, tenho lido relatórios e tenho recebido informação sobre o que se está a passar. De tudo isto retiro uma conclusão: não sabemos quase nada e, pior, os especialistas e os responsáveis políticos também não.
Comecemos pela ciência, e os cientistas e médicos são os que mais nos ajudam a combater a ignorância. No entanto, ninguém nos consegue dizer quando acaba esta crise. E quando há uma pandemia, é a primeira informação que desejamos receber. No caso do Covid-19, já ouvimos de tudo. Quando o coronavírus surgiu na China, a OMS garantia que não havia perigo de contaminação entre as pessoas. Quando o vírus chegou à Europa, inicialmente, dizia-se que tudo voltaria ao normal lá para o fim de Abril. Depois, seria o fim do Maio, e agora já se fala no fim de Junho. Aparentemente, será no fim de um mês, só não sabemos qual.
Também não há muitas certezas em relação aos tratamentos adequados, sobretudo em termos de medicação. Há muitas empresas a trabalhar na vacina, mas mais uma vez ninguém sabe quando ela existirá. Só se sabe uma coisa. Temos que ficar em casa para não sermos contaminados. O que é o mesmo que dizer que sabemos muito pouco. Quero ser muito claro: não estou a criticar os cientistas. Tenho a certeza absoluta que estão a fazer tudo para termos respostas e, de tudo o que leio, repito, os relatórios das instituições de investigação, é o mais útil. Os médicos são heróis nos dias que correm. Acredito na ciência e na medicina. O meu ponto é outro: num tempo da história em que achamos que sabemos tudo, fomos atacados por um vírus sobre o qual quase nada sabemos. É este o principal desafio que enfrentamos: saber viver com a ignorância. É muito difícil e causa muito sofrimento. Mas não vale a pena ter falsas esperanças.
Os decisores políticos também estão perdidos. Os EUA e o Reino Unido mudaram de estratégia após as primeiras semanas. Os países europeus também seguem estratégias diferentes. Por exemplo, a Holanda e a Suécia não seguem a estratégia de confinamento quase total, e mesmo a Alemanha tem adoptado políticas distintas das mais duras seguidas em Itália, Espanha e França, de resto um pouco como Portugal. Mas mesmo no nosso país, houve divergências entre o PR e o PM em relação ao estado de emergência, pelo menos no início.
Mais uma vez, nada disto deve ser lido como uma crítica aos governos. Não tenho qualquer dúvida que estão a fazer tudo o que podem. A preocupação de todos, independentemente da sua orientação política e partidária, é derrotar o coronavírus e recuperar a economia. As suas dúvidas reflectem, em grande medida, as incertezas da ciência.
Curiosamente, apesar das dúvidas da ciência e dos decisores políticos, lemos com frequência artigos e ouvimos opiniões cheias de certezas. Deixo aqui um conselho: parem imediatamente de ler qualquer artigo que comece por afirmar que “nada vai ficar na mesma”, ou que “tudo vai mudar”. Eu não leio esses artigos, e quando ouço alguém dizer isso na televisão, mudo logo de canal. Apenas mostra que quem escreve ou diz isso, não faz a mínima ideia do que vai acontecer quando voltarmos a uma vida normal.
É óbvio que muita coisa mudará, mas ninguém sabe que mudanças serão. Há quem diga que a democracia liberal poderá estar ameaçada. Seguramente, devemos cuidar da saúde das nossas democracias. Não há sistema político melhor. Mas não sabemos o que vai acontecer. A qualidade da democracia poderá mesmo melhorar. Não excluo que os cidadãos se tornem mais exigentes em relação à qualidade da informação pública e à competência dos políticos.
Também há quem garanta que a economia será muito mais estatal. Pode acontecer, sobretudo porque terá que haver ajudas públicas a muitos sectores da economia. Mas também sabemos que a economia só voltará a crescer de um modo consistente e rápido através do sector privado. São as empresas privadas que criam riqueza e trabalho. Duvido que a crise mude isso.
A União Europeia também pode chegar ao fim, aliás sempre que há uma crise fala-se logo do “fim da Europa”, mas também pode sair da crise mais integrada e mais forte. Ninguém sabe. Quanto à economia global, é provável que o protecionismo aumente, pelo menos a curto prazo, mas isso não nos conta o essencial. Todas as potências económicas têm políticas protecionistas, umas mais outras menos, e assim continuará. O mundo continuará com uma mistura entre protecionismo industrial e livre comércio. Mas é demasiado cedo para entender como funcionará esse equilíbrio.
Não é a altura para termos muitas certezas. Mas sim para aprender a viver com dúvidas. Só assim poderemos entender o que vai mudar e o que vai continuar na mesma.
2 Estes dias também são de elogios. Junto-me a todos aqueles que elogiam e admiram o pessoal médico. A dedicação dos médicos e enfermeiros é admirável e trabalham com uma energia inesgotável. Mas quero deixar uma palavra especial aos mais velhos, aos avós. Trabalharam toda a vida, e muitos viveram sempre com grandes dificuldades. A crise financeira na Europa e em Portugal, entre 2010 e 2013, retirou-lhes parte das reformas, e muitos perderam grande parte das suas poupanças. A crise do coronavírus retirou-lhes a maior alegria que lhes resta nos anos de vida que têm: o convívio com os filhos e com os netos. Mas isso nem sequer é o pior. Muitos foram para o hospital e morreram sem a família por perto e sem se despedirem dos seus.
Há muitos velhos a morrerem sem qualquer dignidade. Abandonados em hospitais e lares por falta de cuidados e de equipamentos. O maldito vírus tirou-lhes, primeiro, a família, depois, a vida e, por fim, condenou-os à morte solitária. Essa é a maior tragédia desta crise sanitária.