O LIVRE sempre afirmou que faria parte de uma solução à esquerda e que, havendo uma maioria à direita ou um governo à direita, seria parte da oposição. Posição claríssima e repetida até à exaustão. Decorre, aliás, da base programática com que o LIVRE se apresenta a estas eleições. Por outro lado, o LIVRE sempre fez igualmente uma distinção entre a direita democrática, que partilha com a esquerda a defesa da democracia, e a extrema-direita, que não respeita valores nucleares de uma sociedade humanista.

 

Há dias, no contexto da avaliação de cenários pós-eleitorais, Rui Tavares afirmou que “a direita democrática tem que ter com quem dialogar” e que, se a direita ganhar, o LIVRE “será oposição dialogante” [com os partidos da direita democrática, naturalmente]. Tenho tal proclamação como pacífica, julgo mesmo que faz parte do jogo democrático.

Foi por isso surpreendente que Mariana Mortágua tenha apontado as suas baterias a Rui Tavares e ao LIVRE, sustentando que a mera admissibilidade de diálogo com o PSD e IL corresponderia a uma espécie de deserção no combate eleitoral em curso, porque “devemos estar totalmente concentrados em derrotar uma aliança PSD e IL. Este é o momento de lutar, não de confundir”. Nessa linha, Carmo Afonso, em artigo do Público (“Rui Tavares em cima do muro”), foi igualmente violenta: “Estar em cima do muro é muito simpático e apreciado. Mas nunca vi ninguém lutar verdadeiramente por nada nesse sítio. Serve para agradar, mas não serve para conquistar. (…) Rui Tavares pode anunciar diálogos com a direita em plena campanha eleitoral, e com isso marcar pontos e dar um ar de quem desanuvia o ambiente, porque existe à esquerda quem não faça cedências”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Respeito Mariana Mortágua e Carmo Afonso. Mortágua é uma política consistente e bem preparada. De Carmo Afonso sou amigo há muitos anos e conheço a sua seriedade intelectual. Mas não posso ficar calado perante a injustiça dos ataques dirigidos a Rui Tavares [e ao LIVRE], não só porque descontextualizaram as suas declarações, mas também porque revelam uma inaceitável desconsideração da direita democrática que eu não partilho.

A construção do Estado de Direito – com salvaguarda dos direitos individuais e preocupação de justiça social – tem sido feita com a direita e com a esquerda, com pessoas e partidos muito diferentes, que espelham ideologias e prioridades distintas, mas que convergem na defesa de um património comum. Isso tem de estar presente hoje mais do que nunca quando a principal potência emergente (a China) e o maior país do mundo (a Rússia) não são democracias e há o risco sério dos EUA voltarem a ser governados por Donald Trump. Neste contexto, é bom levantar os olhos da métrica das sondagens e olhar para o mundo real.

O LIVRE – de que sou membro – é um partido do meio da esquerda, que tem consistentemente proclamado os princípios do universalismo, liberdade, igualdade, solidariedade, socialismo, ecologia e europeísmo. Sabe bem qual é a sua trincheira e apresenta-se a estas eleições sem equívocos ou disfarces, defendendo um programa que fundamenta. Quando, no meio do ruído da campanha, reafirma que o diálogo entre as forças democráticas não deve ser esquecido, não está a fazer equilibrismo. Está a ser intransigente na defesa dos valores que o orientam.