A condenação do ex-presidente Lula da Silva, no Brasil, mostrou como a justiça não precisa de muito para ser politizada: basta que as suas sentenças tenham efeitos políticos. E para que tenham efeitos políticos, são necessárias apenas duas coisas: que o condenado seja um político, e que a condenação comprometa a sua carreira. A partir daí, haverá sempre quem pelos efeitos julgue as motivações: se a sentença teve um efeito político, então também teve uma motivação política. É difícil escapar a isto, sobretudo quando o acusado, como no caso de Lula, não hesita em fazer política para se safar. Condenado, propôs-se novamente à eleição presidencial, para perturbar os tribunais. Ameaçado de ser preso, refugiou-se no meio de uma manifestação, para inibir a polícia.

Tem-se dito que Lula, como presidente, fez muito bem ao Brasil. Sim, mas porque pôde distribuir por uma parte da população os resultados dos esforços de estabilização e de modernização do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Mas se usou o produto, não aumentou a produção, acabando por deixar o Brasil resvalar para a maior crise das últimas décadas. Os problemas legais de Lula são muito reveladores do que fez no poder. Lula e o PT chegaram ao governo no auge da “terceira via”. Em vez de destruir o  capitalismo, como recomendavam os marxistas de 1973, fizeram um capitalismo deles, combinando o domínio do Estado com a cumplicidade das grandes empresas. Não por acaso, Lula e Dilma tiveram como conselheiro económico o lendário Delfim Netto, um dos orientadores da Ditadura Militar (e agora também em apuros na Lava Jato).

Mas Lula nem por isso renunciou à demagogia revolucionária. Num país em transformação (a taxa de urbanização, por exemplo, subiu de 45% para 85% desde 1960), não faltam carências e frustrações. A demagogia é sempre fácil, mas  talvez no Brasil seja um pouco mais fácil. Por isso, o poder do PT foi Delfim Netto, mais o Movimento dos Sem Terra e todos os outros activismos identitários de importação norte-americana. Sem os escritórios, resta-lhes agora as ruas. Esse é o perigo que Lula sabe que representa para a democracia no Brasil. Quando Dilma foi derrubada no congresso, falou-se de “golpe”, como se, em vez de uma votação parlamentar, a tropa tivesse saído dos quartéis. Agora, Lula fez tudo para inspirar comparações com a sua prisão em 1980, como se o Brasil, em vez da democracia que é há 30 anos, continuasse em Ditadura Militar. Perdida a partida, resta desacreditar o jogo, para ver se é possível voltar a baralhar. O que Lula e Dilma dão a entender aos seus seguidores é que a democracia e a legalidade são apenas uma máscara para relações de força. A lição é óbvia: no fundo, só a força conta. Não os votos, não as leis, mas a força. É uma mentalidade de guerra civil.

As democracias são mais fáceis de destruir do que de construir. Construir uma democracia exige atitudes e comportamentos pouco naturais, como o de respeitar os adversários, mesmo quando odiosos, ou confiar nos procedimentos, mesmo quando frustrantes. Destruir uma democracia dá muito menos trabalho: é questão de dar largas ao rancor e à paranoia. Já não estamos em 1989, quando os muros caíam e a terra parecia destinada às democracias de tipo liberal. A história, afinal, não acabou. As ditaduras são outra vez uma alternativa. Lula tem a influência para criar no Brasil o ambiente para uma experiência dessas. Basta que consiga divorciar uma parte da população da legalidade e da democracia. Por piores que sejam os actuais governantes, nenhum pode fazer tanto mal ao Brasil como Lula. Diz ele que já não é uma pessoa, mas uma ideia. Mas há ideias más.

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