A semana que passou foi aquela em que a esquerda chumbou o Orçamento de Estado na Assembleia da República, estilhaçando o que sobrava da geringonça e desse nefasto modelo de governação – nefasto porque, na dependência de PCP-BE, só existiu para aplicar reversões de medidas do governo de Passos Coelho ou para travar novas reformas. Contudo, em vez de os alvos políticos estarem nas lideranças à esquerda, Rio e Rodrigues dos Santos conseguiram a proeza de focar as atenções públicas na balbúrdia interna de PSD e CDS. E se o estilo difere, as motivações coincidem: através de golpes de secretaria, ambos procuram escapar a eleições internas para assegurarem que se mantêm líderes à data das eleições legislativas. São, ambos, líderes fragilizados – com medo. Poderão, eventualmente, manter-se no lugar. Mas politicamente estão abalados e arrastam os seus partidos consigo.

As lutas tribais e as intrigas que ocupam PSD e CDS interessam muito pouco – estão no ponto mais baixo da política, porque têm mais a ver com manobras ao serviço de ambições pessoais do que com visões de interesse público. Mas, visto que o mundo está ao contrário, talvez seja útil relembrar apenas duas coisas elementares na política.

A primeira é que as regras democráticas, que impõem eleições e mandatos de duração definida, implicam que as lideranças políticas têm sempre de renovar a sua legitimidade através da força dos votos. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos podem gerir os calendários internos das eleições, convocar os órgãos partidários para legalizar a sua actuação e manipular os procedimentos de acordo com os seus interesses. Têm-no feito, aliás, de forma explícita. Mas, porque o fizeram, já não podem escapar a uma sentença: um líder partidário que teme submeter-se aos votos dos seus militantes fica, por definição, fragilizado aos olhos do partido e do eleitorado. Legitimidade formal não é legitimidade política. Não há volta a dar – com Rio e com Rodrigues dos Santos, PSD e CDS apresentar-se-ão a eleições legislativas sem credibilidade externa e sem vitalidade democrática.

A segunda coisa que vale a pena lembrar é esta: as posições de Rio e Rodrigues dos Santos sustentam-se em pressupostos errados. Ambos têm sugerido que evitar eleições internas serve o interesse eleitoral dos seus partidos e, em última instância, o interesse nacional (isto é, contar com uma oposição forte e uma alternativa clara ao PS). Mas, como assinalou ontem João Marques de Almeida no seu artigo, as eleições internas não são um problema – são uma oportunidade. Oportunidade para garantir enorme atenção mediática, para expor ideias ao país, para dar a conhecer os protagonistas políticos dos partidos, para iniciar a campanha eleitoral, para explicitar a força das lideranças (renovadas ou não) e para mobilizar o eleitorado. É, aliás, uma oportunidade de ouro, quando se avizinha uma campanha eleitoral curta, algo que favorece o PS. Tacticamente, tanto o PSD como o CDS teriam muito a ganhar com eleições internas nas próximas semanas.

Desafiados pela concorrência interna, amedrontados pela submissão a votos, desgastados e fragilizados na opinião pública. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos não são líderes partidários à altura das responsabilidades que se impõem sobre a direita parlamentar: agregar e criar uma dinâmica de renovação política para derrotar o PS. Se forem eles o rosto da direita nas próximas legislativas, o PS terá recebido antecipadamente a sua prenda de Natal.

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