António Costa entregou o país num pântano. Os serviços públicos de saúde estão em pré-colapso, com encerramentos sucessivos, excesso de mortalidade e carências que geram situações de chocante desumanidade. O sistema educativo atravessa uma tempestade, onde a escassez de professores e o desgaste dos docentes penalizam o funcionamento da rede pública de escolas e prejudicam, forçosamente, a escolaridade das crianças e jovens. A economia portuguesa cresce pouco e, pior, cresce menos do que as economias do leste europeu, arrastando o nosso PIB per capita para a cauda europeia — ultrapassados nos últimos anos por Polónia, Estónia ou Lituânia. Os salários portugueses não são competitivos no contexto europeu, atraindo muitos para a emigração, em parte devido a uma carga fiscal que não cessa de crescer e sobrecarregar as empresas e os rendimentos — o sistema fiscal português é o quinto menos competitivo da OCDE.

Mais: o pântano de António Costa também é ético. Muitos dos desafios que o país enfrenta após 8 anos de governos PS devem-se a opções políticas erradas, seja porque Costa se encostou ao PRR ou porque governou para satisfazer clientelas eleitorais — ou, simplesmente, porque abdicou de liderar reformas para prevenir falhas em áreas-chave. Mas não é possível desvalorizar, afinal, o motivo que levou à inédita demissão de um primeiro-ministro numa maioria absoluta: desde que chegou a São Bento, Costa rodeou-se de activos tóxicos do socratismo, promoveu informalidades entre amigos e negócios do Estado, escolheu para membros do governo quem comprovadamente não tinha perfil para tais funções, recrutou na bolha socialista e desvalorizou as inúmeras ligações familiares da sua rede de poder, achincalhou a dignidade das instituições ao nomear para seu secretário de estado adjunto Miguel Alves, já então arguido, afirmou sistematicamente o seu poder em confronto com as instituições do regime e colonizou o aparelho de Estado — a fidelidade partidária ao PS foi, nestes últimos 8 anos, o melhor CV para aceder a altos cargos dirigentes. António Costa não caiu por causa de um parágrafo de um comunicado da PGR, caiu em virtude da sua falência ética e política.

No espaço de duas décadas, três primeiros-ministros socialistas deixaram três pântanos. Em 2001, na sequência de uma derrota nas eleições autárquicas, António Guterres demitiu-se e baptizou a expressão de “pântano” — entenda-se, reconheceu uma fragilidade política tal que, na sua leitura, a governação estava inviabilizada. Em 2011, na sequência da bancarrota nacional e da assinatura de um memorando de entendimento com a troika, José Sócrates saiu do governo deixando um rasto de destruição atrás de si — económica e financeira, claro, mas também política, ética e empresarial, convertendo o PS num polvo que na sociedade portuguesa tudo quis controlar. Em 2023, António Costa vê-se sob investigação da Justiça e o seu círculo íntimo no governo detido — a começar pelo seu chefe de gabinete. Com intervalos mais ou menos regulares de 10 anos, o PS entrega o país em cacos e a direita veste o fato de bombeiro para limpar os estragos.

Parto do pressuposto que o Presidente da República convocará eleições legislativas a curto prazo — a única solução que me parece razoável. E parto do pressuposto que a direita estará em condições de as vencer e formar governo — sem o Chega, como aliás já foi explicitado por Luís Montenegro. Desde 1995, a direita só governou em emergência, condicionada pela irresponsabilidade que a precedeu e apenas para repor a normalidade — da qual os socialistas depois beneficiaram e abusaram. Esse modelo perverso de alternância governativa tem de ser quebrado. Essa é uma prioridade: a direita terá de construir e guiar-se por uma visão de longo prazo. Não antevejo que seja fácil, porque tudo na próxima legislatura se prepara para ser particularmente exigente. Mas é inequivocamente essa a responsabilidade que a direita tem hoje nas mãos: não basta ser governo em 2024, há que pensar desde o início para um período de duas legislaturas. Só assim haverá espaço para reformas (há muito) adiadas e para despartidarizar a máquina do Estado. Só assim a direita deixará de servir de bombeiro.

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