Para a esquerda em geral, a “austeridade” é ou uma obsessão ideológica da direita ou uma “imposição” alemã. Ora, no Brasil há um governo de esquerda e não consta que Merkel tenha imposto políticas de austeridade a Dilma Rousseff. Pelo contrário, Dilma – e antes o seu antecessor, Lula – criticaram as políticas económicas da União Europeia desde 2010. Dilma, particularmente, gostava de dar lições de políticas económicas e sociais aos seus colegas europeus nas reuniões do G20 e nas Cimeiras com a União Europeia. No entanto, sem a direita no poder e sem Berlim a dar ordens, o governo do PT (e do PMDB) impôs políticas de austeridade aos brasileiros.

Desde o início do ano, o segundo governo de Rousseff e do ministro da Fazenda (finanças), Joaquim Levy, tem imposto cortes na despesa pública, mesmo contra a vontade de muitos sectores do PT. Por que razão Dilma Rousseff pratica o que tanto criticou? Como acontece com outros países, a combinação da recessão económica com a despesa excessiva tornou-se complicada para o Brasil. Até sensivelmente 2012, a economia brasileira cresceu como resultado das exportações de matérias primas para a China – especialmente minérios – e do consumo interno, em grande medida fruto de políticas sociais. Este modelo chegou ao fim e tem que ser reinventado.

Deve ser notado que, para combater a crise económica, a administração de Dilma não recorreu à receita Keynesiana do investimento público, procurando antes atrair investimento privado externo, o que não corresponde aos instintos de um executivo de esquerda. O governo brasileiro reconheceu, porém, que o crescimento económico exige investimento externo. Por isso, a prioridade de Levy tem sido convencer as agências de “rating” internacionais a manter a cotação do país nos critérios de investimento externo. O PT percebeu não só que não pode combater os mercados, mas também que necessita deles para a economia crescer. Mais um exemplo onde a retórica da esquerda não é compatível com a realidade.

Além de enfrentar uma situação económica muito difícil, o Brasil atravessa uma crise política muito grave. Cerca de 60% dos brasileiros quer a destituição da Presidente Rousseff – com uma incrível taxa de aprovação de 7% – o Congresso está numa oposição feroz ao governo, e o PT e PMDB guerreiam-se na coligação. Hoje, milhões de brasileiros vão protestar contra o governo nas principais cidades do país. Curiosamente, não se vão manifestar contra a austeridade mas contra a corrupção.

A investigação da corrupção nos contratos com a Petrobras envolve dezenas de políticos, as maiores empresas de construção e aproxima-se do antigo Presidente Lula. As autoridades judiciais têm sido inteligentes e eficazes durante a investigação, e com a figura da delação premiada, ninguém consegue antecipar até onde chegará a operação Lava Jato. Mas um caso de corrupção, aparentemente extenso e envolvendo figuras de topo da política brasileira, não cria as melhores condições para o investimento público. Aliás, o uso indevido de recursos públicos para fins privados constitui uma das questões centrais do Lava Jato.

Quando não há dinheiro nem legitimidade para investimentos públicos, restam os mercados. E estes, cada vez mais, não gostam de investir onde o dinheiro é mal gasto ou utilizado para fins mais obscuros. Este papel de escrutínio dos mercados sobre o modo como se gasta dinheiro público não agrada a muitos. Sobretudo a quem se habituou a olhar para recursos públicos como propriedade privada. Foi o que fez o PT. O resultado foi austeridade para os brasileiros.     

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