Tradicionalmente, a época de incêndios é a altura preferida pelo Governo para dar a conhecer ao povo algumas das ferramentas que usa na gestão do país. Em 2017 foi o focus group que António Costa convocou para aferir a satisfação dos portugueses com a qualidade dos fogos. Este ano é o algoritmo que, segundo a Secretária de Estado da Protecção Civil, é usado para prever a área que vai arder. Quem conhece a seriedade da governação do PS não fica surpreendido com o paradoxo desta transparência aparecer justamente quando há mais fumo.
Em entrevista à SIC, Patrícia Gaspar afirmou o seguinte: “(…) Se considerarmos aquilo que é a severidade meteorológica, os dados, os algoritmos e as contas feitas dizem que a área ardida que deveríamos ter deveria ser 30% superior, ou seja, ardeu 70% do que era suposto arder.”
É uma declaração cujo objectivo parece ser tranquilizar os portugueses, mas que tem o efeito contrário. Em primeiro lugar porque, apesar de ser proferida com grande confiança, está errada, o que não é bom prenúncio. Vejamos: se ardeu 70% do que estava previsto, a área que era suposto arder não deveria ser 30% superior, uma vez que 30% de 70% equivale a 21%. Tudo somado, a área prevista totalizaria apenas 91%. Se calhar, os outros 9% que ainda vão arder são as orelhas da Secretária de Estado e do seu gabinete, pela descompostura que levarão da pessoa do Governo que tem o 9º ano de Matemática – já pesquisei, existe mesmo essa pessoa. A questão é: o algoritmo está programado para relacionar dados como a temperatura, a humidade, a direcção e velocidade do vento, o estado do terreno, a acumulação de combustível, e isso está tudo muito bem, mas não devia também contar com a incapacidade dos membros do Governo de interpretarem os resultados alcançados?
Ainda assim, não duvido da qualidade do algoritmo. A sua origem é uma garantia de profissionalismo. No mês passado, António Costa disse que “os incêndios só ocorrem se uma mão humana, voluntariamente ou por distração, os tiver provocado”. Ora, se o algoritmo prevê uma situação ainda mais gravosa do que aquela que atravessamos, é porque tem péssima imagem dos portugueses. Parece achar que somos todos mentecaptos ou criminosos. É evidente que o algoritmo foi programado no Norte da Europa, um sítio onde não brincam com estas coisas.
Mas há mais razões para estarmos inquietos. Se, mesmo com uma situação mais favorável do que aquela que o oráculo informático profetizava, os meios e estratégias de combate aos incêndios são insuficientes, isso quer dizer que se o algoritmo tivesse acertado nas previsões, os meios e estratégias de combate aos incêndios seriam ainda mais insuficientes e os resultados ainda mais dramáticos do que foram. O ponto mais alto de Portugal seria agora o ponto mais negro. E em vez de Ourém, teríamos Orem.
Ou seja, o Governo achava que ia haver mais incêndios do que houve e, mesmo assim, borrifou-se. (O que nem seria mau de todo, se se borrifasse literalmente para cima de chamas. Sempre era uma ajuda). O algoritmo vaticinou 100%, o Governo mal se preparou para 70%. Estamos a falar de incêndios, mas podíamos estar a falar de maternidades ou de urgências hospitalares. Os preparativos nunca cobrem a realidade. Há, digamos, um padrão de descobrimentos. O que faz de António Costa uma espécie de navegador do século XV, se os navegadores do século XV quase tivessem chegado à Madeira, quase tivessem descoberto os Açores, quase tivessem dobrado o Bojador, quase tivessem descoberto Cabo Verde e quase tivessem chegado ao Rio Congo.
Por mim, é para continuar a usar este algoritmo. Mas talvez seja boa ideia dar-lhe um nome. “Algo” é impreciso e impessoal. A bem da clareza, a Secretária de Estado devia baptizá-lo, para o tornar mais concreto e reconhecível. Deixo algumas ideias, baseadas noutros ritmos célebres e na também famosa capacidade do Governo em dar-nos paleio: o cha chacha, o tanga, a que zomba, a falsa ou o pasodoble speak.