Na passada semana, ao longo de três dias, teve lugar a festa do casamento da filha, Francisca, dos duques de Bragança, D. Duarte e D. Isabel, com um neto, Duarte, dum grande pintor de arte sacra, João de Sousa Araújo, o maior que a igreja católica portuguesa teve no último meio século.
Foi um casamento belíssimo graças em primeiro lugar ao bom carácter dos noivos e à fé que visivelmente permeia tudo o que fazem, recebida de famílias profundamente crentes, que vivem com intensidade e indagação aquilo em que acreditam.
Foi também belíssimo porque todos os momentos cruciais da vida das famílias que dão corpo às monarquias antigas são sempre vividos com muita empatia por uma grande pluralidade dos respetivos compatriotas, independentemente de elas serem reinantes e de eles serem monárquicos.
E foi ainda belíssimo porque foi realizado com imensa dignidade, repleto de gestos destinados a retribuir e a perpetuar a memória dos muitos que, por fidelidade institucional ou por simples amizade, estiveram constantemente ao lado dos membros da família dos duques de Bragança, ajudando-a sempre que a isso solicitados, promovendo-a junto dos que a desconhecem e protegendo-a dos raios e coriscos dos que são ensinados a detestar a monarquia em geral e a nossa em particular.
Foi além disso um acontecimento com grande valor simbólico porque refrescou a esperança daqueles portugueses que continuam a ver como um retrocesso por emendar a imposição da república por golpe militar, um mês depois de o partido que lutou em total liberdade por ela durante décadas ter conseguido eleger apenas 14 dos 155 deputados em que votaram livremente 600 mil eleitores, e dois anos e meio depois do assassínio dum grande rei e do príncipe herdeiro por um dos respetivos sequazes.
Retrocesso que viria aliás a ser logo demonstrado pela rápida extinção das liberdades cívicas conquistadas no século anterior, o que ajuda aliás a explicar o mesmo partido ter elegido, sete meses depois, 229 dos 234 deputados constituintes em que votaram apenas 250 mil eleitores…
Acontecimento com grande valor simbólico também porque refrescou a esperança dos portugueses cujas razões o saudoso Gonçalo Ribeiro Teles interpretou quando, em 1980, representando no governo de Francisco Sá Carneiro o partido monárquico que fundara seis anos antes, instituiu as pioneiras reservas agrícola e ecológica nacionais, para proteger as práticas culturais responsáveis desenvolvidas pelos portugueses ao longo de séculos, que os habilitaram a transmitir sempre às gerações seguintes, sem diminuição ou mácula, as ribeiras, as lagoas, as turfeiras, as várzeas, as lezírias, as pastagens, as coutadas, as charnecas e mas matas, em suma, a flora e a fauna com que continuamos a identificar-nos, apesar da depredação a que têm sido sujeitas ultimamente, pela cobiça privada e pelo descaso público.
Grande valor simbólico finalmente porque, embora não sendo o casamento do filho mais velho de D Duarte, contou com a presença não só do chefe de estado da Soberana Ordem de Malta como também de atuais ou futuros príncipes herdeiros de mais oito famílias reais não reinantes, Albânia, Alemanha, Áustria, Brasil, Bulgária, França, Geórgia e Rússia, o que se fica a dever quer à popularidade da noiva entre os parentes da sua geração quer ao elevado respeito que os duques de Bragança inspiram a quem com eles convive.
É, portanto, muito o reconhecimento devido a todos os que foram contribuindo ao longo dos anos para criar as condições que viriam a garantir o sucesso deste acontecimento, nomeadamente o reconhecimento pela firmeza e independência com que D Duarte e D Isabel souberam alimentar as relações de parentesco que herdaram e criar laços novos, resistindo sempre a quem os quis desviar, por erro ou por interesse pessoal, da dedicação sincera e constante ao bem-comum de Portugal, que é timbre de ambos.
Estaria, pois, mais do que na altura de lhes ser restituído, ainda que parcialmente, o usufruto funcional do Paço Ducal de Vila Viçosa e dos demais bens do antigo morgadio da Casa de Bragança, vedado há duas gerações com base numa interpretação expansiva do único testamento do nosso último rei, redigido em 1915, baseada em cartas e notas posteriores, interpretação típica das manhas do regime anterior mas que o regime actual também ainda não encontrou a magnanimidade necessária à respetiva correção.
Importa relembrar neste ensejo que, ainda hoje, o acervo em apreço é esmagadoramente constituído pelo património privado do Santo Condestável, com que ele dotou a sua única descendente, Beatriz, para o casamento em 1401 com Afonso de Portugal, filho do Mestre de Avis e duma senhora judia, Inês Peres, património que viria mais tarde a integrar um morgadio, quando o irmão, infante D. Pedro, regente do reino durante a menoridade do sobrinho de ambos, Afonso, filho de D Duarte, lhe conferiria em 1442 o título de duque de Bragança.
Importa ainda relembrar que o morgadio era uma figura jurídica que permitia transmitir de geração em geração a integralidade dum determinado acervo patrimonial, normalmente inalienável, cujo usufruto era herdado pelo varão primogénito da família, sob condição de ele respeitar determinadas obrigações ou vínculos, fixados pelo instituidor com o consentimento do soberano.
Importa por fim relembrar que o morgadio da Casa de Bragança foi o único que não foi extinguido nem em 1832 nem em 1863, quando todos os demais o foram, tendo o nosso último rei continuado a administrá-lo até à sua morte em 1932.
Havendo portanto boa-vontade e boa-fé, e sem prejuízo dos fins estatutários em vigor, a simples cooptação do descendente mais velho em cada geração para a presidência da Junta da Fundação da Casa de Bragança, a cuja criação e boa gestão se deve a manutenção desde 1933 da integralidade do acervo patrimonial do antigo morgadio, deveria poder habilitar a família a, sempre que necessário, usar o Paço Ducal de Vila Viçosa no âmbito das relações cultivadas com outras famílias com responsabilidades semelhantes.
Tanto mais que alguns dos membros destas famílias foram sendo convidados por D Duarte para a Real Ordem da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Vila Viçosa, criada por D. João VI em 1816 em agradecimento pela derrota dos invasores franceses, e por conseguinte têm o privilégio de participar sempre que podem na peregrinação anual que ali tem lugar dia 8 de dezembro.
Portugal é um dos estados soberanos mais antigos do mundo mas a continuidade da nossa liberdade nacional correu frequentemente perigo, sempre que as elites estiveram divididas entre quem preferia promessas de grandeza, tantas vezes pessoal, em troca de cedências de soberania a outros estados, e quem preferia que o país continuasse a ser livre e soberano, ainda que porventura menos poderoso.
A dinastia de Bragança deu-nos no entanto amplas provas de que aprendeu com os desaires finais das dinastias de Borgonha e de Avis, ao ter conseguido contrariar os que no governo preconizavam alianças aparentemente promissoras que poderiam ter levado o país a passar de novo por tragédias como as de 1383/1385 ou de 1580/1640.
As gerações actuais e futuras podem pois confiar que, em qualquer circunstância, os descendentes da Casa de Bragança se continuarão a entregar de alma e coração à cultura e promoção dos valores, e das regras de comportamento individual, familiar e social deles resultantes, que inspiraram os seus antepassados a identificar-se com os interesses permanentes do país e a defender a liberdade nacional contra os desafios, internos e externos, que a ameaçaram entre 1640 e 1910.