O António tinha 58 anos e sofria, desde que teve um acidente de mota, de uma lesão definitiva – foi-lhe amputada uma perna. Puseram-lhe uma prótese, mas nada o convencia a modificar os seus hábitos de vida – corrida, surf, motas (era motard), tudo tinha terminado!

Tinha dois filhos (Luís, Carla) já adultos e a mulher, Ana, mãe dos seus filhos, que trabalha numa escola.

O António, com esta lesão definitiva foi reformado na empresa e ainda não tinha encontrado alternativa ao modo de viver. Vivia da modesta reforma.

É certo que o dinheiro não abundava, até porque estavam a pagar a casa e o carro novo que comprou, adaptado às suas novas dificuldades. Há ainda dívidas de alguns consumos que fizeram.

Durante meses, pensou em pôr fim à vida. Fez um seguro de vida (quer deixar a mulher e os filhos bem!) de 1,5 milhões de euros. Pagou o prémio durante três meses.

Sem que a mulher e os filhos soubessem, foi a um médico, numa clínica privada, para que lhe fosse aplicada a eutanásia. O António estava consciente do que queria e tinha os requisitos exigidos pela lei para ser eutanasiado. O médico ainda o tentou demover da ideia. Mas ele persistiu. Para além da amputação da perna, o António era um homem cheio de saúde.

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A filha que é enfermeira, está grávida. E o António pensou, “o meu neto não vai ter um avô sem uma perna, que já não trabalha e não é capaz de jogar à bola com ele.” Disse-o, em última instância, ao médico. Alegando que estava em sofrimento extremo.

O António foi eutanasiado sem que a mulher e os filhos soubessem (tudo conforme a lei). Na certidão de óbito, por imperativo da lei, consta como causa do óbito “antecipação de morte”.

A mulher e os filhos foram avisados pela clínica que tinham de fazer o funeral.

O António deixou uma carta escrita, onde, entre outras coisas, dizia: “Quis deixar-vos bem. Por isso não vos disse a decisão que ia tomar. A lei não permitiria que beneficiassem do seguro de vida, se participassem desta minha decisão. O seguro de vida que deixei na “Companhia de Seguros Liberdade e Solidariedade” é no valor de 1.500.000,00 € e permite pagar algumas dívidas que ainda existem e de resto … dei a minha vida para que possam ter mais do que eu tive.

A “Seguradora Liberdade e Solidariedade” recusou-se a pagar o seguro de vida feito, alegando que a lei é inconstitucional e que o contrato tinha sido feito no intuito de enriquecimento alheio. O processo corre nos tribunais e ninguém sabe daqui a quantos anos terminará. Nem como terminará.

Quer a mulher do António, quer os filhos sofrem, num sofrimento extremo por não perceberem o que levou o pai a pôr fim à vida, pela saudade, por tudo o que podiam ter vivido juntos, pelos remorsos quanto ao que poderiam ter feito e não fizeram… choram muito aquela morte.

Ainda foram à Clínica para consultar o processo de eutanásia. E tudo estava conforme a lei – o António tinha uma lesão definitiva, alegava sofrimento extremo, estava consciente e tinha assinado os papéis. A família ainda quis invocar que teria “uma depressão”, mas o psicólogo que foi indicado pela clínica disse que nada podia ter feito porque “não havia tempo” para o acompanhamento, pois a Lei da Eutanásia fixa prazos curtos.

“Se esta Lei da Eutanásia, não existisse, ainda hoje o pai estava connosco” disse a Ana à filha, quando foi ver pela primeira vez a neta que tinha acabado de nascer no dia 31 de Julho de 2021.