Perante o título deste artigo, o leitor, com razão, perguntará o que tem a ver uma coisa com a outra. Peço apenas um pouco de paciência e já se verá a semelhança.
O Japão, apesar de ser um país capitalista, portanto com uma economia assente quase inteiramente nas empresas privadas, considera a produção de arroz, que é a base da alimentação nacional, um activo estratégico. O Japão poderia importar o arroz que consome ou grande parte dele da China, do Vietnam, dos Estados Unidos a preços muito mais competitivos. Mas sendo a autonomia alimentar uma questão de segurança nacional, o arroz produzido no Japão e, portanto, caríssimo, é subsidiado fortemente com os impostos dos japoneses e, ao que tudo indica, existe no país um consenso no sentido desta opção nacional. Quando a autonomia na produção de arroz foi posta em causa pelo desastre nuclear de Fukushima e se colocou a hipótese de o Japão ter de importar arroz, esse facto foi considerado tão anormal, como se os esquimós decidissem importar gelo.
Recentemente foi publicada uma pronúncia no jornal Público de várias personalidades defendendo “que uma TAP controlada por capitais públicos e bem gerida (…) poderá gerar dividendos para os contribuintes (…) e só a manutenção da TAP pública, permitirá que venhamos a recuperar o dinheiro ali investido, através da distribuição de dividendos”
Não que isso tenha importância, mas, já agora, para afastar qualquer ponta de preconceito, simpatizo com a TAP e os seus tripulantes, gosto de viajar na TAP e tenho simpatia intelectual pela maioria dos subscritores da citada pronúncia pública.
Isso não impede que tenha de considerar que toda a realidade passada e presente da TAP – a realidade é sempre uma maçada – coloca o desígnio dos subscritores no perímetro de uma clara opção ideológica, não sustentada – bem ao invés – por um facto que seja, que permita acreditar que uma TAP pública (ou mesmo privada) não integrada num grupo de aviação, alguma vez irá distribuir dividendos como a CGD ou devolver os 3,2 mil milhões de euros colocados na companhia.
A análise dos relatórios de contas da TAP entre 2009 e 2019 permitiu concluir – valores certificados- que a companhia aérea acumulou prejuízos de 640 milhões de euros durante esse período. Ora, nesta década, não existia pandemia, a gestão ora foi pública ora foi privada, o turismo esteve em alta, a frota foi renovada e a TAP ganhou novos slots.
Para a defesa da TAP pública e da sua nacionalização, o nosso primeiro-ministro chegou a comparar os aviões da TAP às nossas gloriosas caravelas dos Descobrimentos. O primeiro-ministro, que é uma pessoa culta, sabe que as caravelas dos descobrimentos não eram propriamente “portuguesas”, apesar de nos terem trazido grande lucro, já agora, ao invés da TAP. De facto, as caravelas não navegaram a expensas do reino de Portugal. Senão vejamos: “Em 1502, foi dada aos florentinos a possibilidade de acompanhar a expedição de Vasco da Gama. Na altura, já vários bancos comerciais alemães estavam interessados no empreendimento. Após 1503, foi investido um impressionante capital alemão nas viagens ao Oriente. A importância do investimento privado tornou-se evidente em 1505, quando D. Manuel decidiu enviar outra grande frota de guerra para o Oriente, sob o comando de Francisco de Almeida. Estima-se que o custo dessa armada tenha ascendido aos duzentos e cinquenta mil cruzados, o que representava mais de três quartos do rendimento anual da Coroa. Metade do valor era financiado pelos consórcios privados alemães e italianos.” (Malyn Newitt, 2005)
De facto, sem qualquer desprimor e mais uma vez sem preconceito, se alguma relação existe entre a TAP e as caravelas é que de facto a TAP foi no século XX a companhia aérea do império colonial português. Com o fim do império em 1974, a TAP ficou de certo modo num limbo, do qual, verdade seja dita, nunca conseguiu sair. A entrada de Portugal na União Europeia, as regras da concorrência apertada, a proibição de ajudas de Estado às companhias e o surgimento das low-cost fizeram o resto: a viabilidade da TAP como companhia autónoma no contexto europeu afigura-se uma impossibilidade evidente. Acontece que a larga maioria dos portugueses gosta da TAP e deseja que exista uma companhia aérea com as cores nacionais. Até porque, com justiça, entendem que a TAP é uma companhia segura, não fosse os seus crónicos atrasos e cancelamentos, por falta de organização e por insuficiência de pessoal. Os despedimentos, de facto melhoram as contas para efeito dos prémios aos gestores, mas as queixas dos clientes prejudicados não contam a débito para tais prémios. Se o grande mérito da gestão é obter lucros à custa de despedimento de pessoal necessário, sem qualquer preocupação com as consequências disso quanto aos direitos dos clientes, certamente se encontrará, por exemplo, um barbeiro desempregado de qualquer Fornos de Algodres para gerir a TAP, de modo mais barato e com os mesmos resultados.
Tudo indica que por questões de dimensão e efeito de escala, a TAP, tal como tantas outras companhias europeias, terá de se integrar num grupo ou numa companhia de aviação muito maior, mantendo a identidade nacional, mas obviamente sem o controlo político do Estado português ou de qualquer outro Estado.
Ideologicamente pode defender-se uma TAP pública, nomeadamente para defender a coesão nacional (?) e garantir as viagens da diáspora, como se esta não tivesse à sua disposição outras centenas de companhias aéreas. Pode até afirmar-se, à moda de panfleto do século XIX, que “Portugal não está à venda”, como fazem os subscritores do texto que aqui referimos, algo que até deve ter perturbado o rei mercador D. Manuel I, no seu túmulo secular. Agora afirmar que a TAP isolada pode ser lucrativa e competitiva no quadro actual da aviação europeia simplesmente não é sério. Ou então, vamos para a solução do arroz japonês, com os portugueses a subsidiar a companhia e a União Europeia a fingir que não vê.