Já tínhamos, entre as expressões proverbiais, o “azar dos Távoras”. É possível que ainda venhamos a ter o “azar da AD”. Na última semana, a infelicidade foi insistente. Antes da convenção, foi Nuno Melo a defender, muito seguro, que a AD, se não ganhasse, devia ajudar a manter o PS no poder, mesmo havendo maioria para outra solução. No dia da apresentação do programa económico, foi a investigação na Madeira, com o presidente do governo regional suspeito de corrupção, e os outros partidos a fazerem comparações com o caso de António Costa.
Nunca devemos subestimar os caprichos da fortuna. Napoleão preferia um general menos bom, mas com sorte, a um general excelente, mas azarado. Nesta história da AD, porém, não parece ter havido apenas infortúnio. Como todos vimos, Nuno Melo julgou estar a dizer exactamente o mesmo que Luís Montenegro. Como é possível, quando a AD e o Chega se acusam mutuamente de contribuir para o prolongamento do mando socialista, que os dirigentes da AD não tivessem arranjado meia hora para definirem uma posição conjunta e limpa sobre a hipótese de um governo minoritário do PS?
A mesma coisa na Madeira. Os dirigentes do PSD estabeleceram regras para candidatos a deputado comprometidos em processos judiciais. Mas perante o precedente da demissão de António Costa, não deveriam ter também um protocolo sobre como reagir no caso de titulares de cargos públicos? Isso ter-lhes-ia permitido agora tomar posição de acordo com essa regra, e não, como parece, serem obrigados a manifestar-se (ou a calar-se) em função de simples solidariedade partidária. Foi notória a alegria do PS, já a antecipar talvez algum pacto de silêncio sobre um assunto que, a crer nos cartazes, a AD ia usar.
Poder-se-ia chamar a isto impreparação. Mas talvez não seja. Depois da convenção, Luís Montenegro continuou a recusar-se a responder directamente aos jornalistas sobre a viabilização de um governo socialista. Como explicar isto? É muito provável que os dirigentes da AD prevejam um futuro de confusão a seguir a 10 de Março. Acreditarão que lhes convém, por isso, estarem disponíveis para certos acordos?
É uma escolha. A fragmentação da Assembleia da República, a atenção judicial ao exercício do poder político, a estagnação económica, e a degradação dos serviços públicos tornaram tudo fluído em Portugal. Perante isto, os políticos têm duas opções. Ou fazem parte da indefinição e da incerteza, procurando estar à vontade para agarrar quaisquer oportunidades, mesmo as mais manhosas; ou tentam tornar-se focos de clareza e de direcção, e ir à frente dos acontecimentos, mesmo que isso limite as suas opções. Admito que sejam necessárias convicções fortes, e bastante confiança em si próprio e no país para optar pela segunda via. Mas perante as geringonças e os “casos” a que o poder socialista reduziu a política em Portugal, talvez fizesse sentido arriscar outra visão da vida pública. Talvez o país notasse a diferença. Talvez reagisse. Talvez, quem sabe, aderisse.
A melhor maneira de ter azar é entregarmo-nos à sorte. Foi o que a AD fez até agora. O que é pena, porque o programa económico apresentado esta semana é um bom mapa para começar a libertar Portugal da mão morta do poder socialista. Não está lá tudo, nem podia estar, mas está lá muito do que realisticamente se pode e deve fazer. Mas nem isso os seus dirigentes parecem capazes de pôr em relevo, inquietos apenas em “reconciliarem-se” com o eleitorado pensionista nos mesmos termos do poder e narrativa socialista, e por isso renegando até Pedro Passos Coelho – mais uma vez, para gáudio de Pedro Nuno Santos. O país precisa de uma alternativa conservadora-liberal. É de facto azar que aqueles que se propuseram protagonizá-la mostrem tão pouca convicção.