A oligarquia política, sempre que pode, finge. É assim que os oligarcas discutem a banca como se fosse exterior ao sistema político, e que põem uma cara muito séria para dizer que desejam apenas assegurar o “financiamento da economia” e sobretudo às “pequenas e médias empresas”. Temos todo o direito de desconfiar que não é assim.

A banca é uma das actividades privadas mais reguladas e supervisionadas por entidades públicas em todo o Ocidente. Em Portugal, tem sido também uma das mais instrumentalizadas pelo poder político. Leiam os livros publicados nos últimos anos sobre a história dos banqueiros portugueses, como o de Helena Garrido, A Vida e Morte dos Nossos Bancos. Quase todos começaram, sem muito capital, com convites e oportunidades criadas pelos governos, e quase todos acabaram quando os primeiros-ministros deixaram de os atender. O seu verdadeiro capital era o poder político. Por isso, Jardim Gonçalves, inicialmente promovido por Mário Soares, cresceu com Guterres, e caiu com Sócrates; e Salgado, também ao princípio ajudado por Soares, foi o “dono disto tudo” com Sócrates, e deixou de o ser com Passos.

O complexo político-financeiro desenvolvido a partir dos anos 90 promoveu uma explosão de crédito barato, permitida pelos recursos externos disponíveis com a entrada no euro e incentivada pelas bonificações e benefícios fiscais dos governos. Foi assim que a oligarquia compensou a quebra do crescimento económico. A banca garantiu os consumos que fizeram a felicidade dos eleitores, ao mesmo tempo que serviu aos governos para inventar “projectos” e mandar nas empresas. Basta lembrar o ataque ao BCP ou a defesa da PT, organizados a partir da CGD e do BES durante a situação Sócrates-Salgado. A propriedade da banca foi irrelevante. A CGD correu mais riscos que os bancos privados, e alguns bancos privados estiveram tão alinhados com os governos como a CGD.

Nada disto é peculiarmente português. Em Espanha, as caixas de aforro caíram desde a década de 1980 nas mãos das Comunidades Autónomas, e colaboraram numa enorme expansão do crédito e das clientelas partidárias. Na Itália, o Monte dei Paschi di Siena, agora em aflição, era dirigido pelo Partido Comunista (a Democracia Cristã também tinha os seus bancos). Obviamente, esta promiscuidade comprometeu qualquer supervisão, submetendo-a a preocupações de regime e a cálculos eleitorais.

Em 2011, os bancos foram incluídos no pacote de resgate, como parte do sistema político falido. Desde então, a oligarquia discute a “consolidação” da banca, isto é, uma terceira refundação do complexo político-financeiro, depois das nacionalizações de 1975 e das privatizações dos anos 1990. É verdade que tudo existe agora num quadro europeu. Mas é duvidoso que Portugal venha a desenvolver um negócio financeiro independente do poder político, efectivamente regulamentado e escrutinado. Este é um governo e uma maioria que acreditam que a economia deve ser micro-gerida pelo poder político, e que a despesa e a dívida, só por si, geram riqueza. É-lhes impossível imaginar o governo sem a banca às ordens. Que vão fazer? Nacionalizar? Ou reconstituir situações do tipo do eixo CGD-BCP-BES do tempo de Sócrates, quando a banca era só para os “amigos”?

Na quarta-feira, no parlamento, os oligarcas falavam do “dinheiro dos portugueses”. Mas aquilo em que todos estavam a pensar não era certamente no “dinheiro dos portugueses”, mas no “poder dos políticos”. Como sempre, haverá no meio disto alguns distraídos e bem-intencionados. Mas o complexo político- financeiro vai tentar tudo para se reconstituir e sobreviver. O regime é isso, e já não sabe ser outra coisa.

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