No seu livro mais recente, o professor Cavaco Silva descreve o que deve ser um governo e como deve actuar um primeiro-ministro. É um exercício útil para compreender o actual poder socialista. Porque o poder socialista nada tem a ver com um governo tal como Cavaco Silva o descreve. É outra coisa. E sem percebermos isso, pouco perceberemos do que se passa em Portugal.

Em O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar, Cavaco Silva parte do princípio de que “o sucesso governativo é definido não em termos de resultados eleitorais e preservação do poder, mas de progresso do país”. Ora, perante a estagnação económica e a degradação dos serviços públicos, o sucesso socialista só pode ser definido ao contrário: em termos de resultados eleitorais e preservação do poder, e não de progresso do país. De um primeiro-ministro, Cavaco Silva espera que “possua uma visão estratégica para o país”. Do primeiro-ministro socialista, espera-se que mantenha o poder. Cavaco Silva disserta sobre um tipo de agente político e uma arte que nada têm a ver com o poder socialista. De um lado, temos um governante com uma visão de progresso, e cujo sucesso se mede pelo aumento do bem-estar; do outro lado, temos o chefe de um mecanismo estabelecido para controlar a sociedade, e cujo sucesso se mede pela permanência no poder.

Os dois tipos de actuação política não são apenas diferentes, mas contraditórios. Governar no sentido de Cavaco Silva é criar condições para o aumento do bem-estar e da autonomia dos cidadãos. Mas cidadãos mais prósperos e autónomos são necessariamente menos dependentes do Estado. Governar significa, do ponto de vista do governante, ceder poder. Em 1995, Cavaco Silva tinha, como primeiro-ministro, menos poder do que em 1985: não dispunha das mesmas empresas nacionalizadas, nem do monopólio da televisão, e os cidadãos, mais ricos, sustentavam novos órgãos de comunicação críticos da governação.

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