Svetlana Tikhanovskaia, a líder da oposição bielorussa, esteve em Portugal na semana passada. Veio pedir apoio à comunidade política e à sociedade civil portuguesa – e através de Portugal, que detém a presidência, à comunidade política europeia – para a sua causa. Falou com autoridades, desfez-se em contactos com a imprensa e a todos disse o mesmo: escolhemos o caminho mais longo para mudar o regime na Bielorrússia. Mas sozinhos, dificilmente somos capazes.
Na sua biografia consta que nunca se interessou pela política. Mas a vida trocou-lhe as voltas quando o marido, prestes a ganhar as últimas eleições presidenciais no país, foi preso. Svetlana Tikhanovskaia não viu outra alternativa senão tomar-lhe o lugar e continuar o seu projeto. Acabou por ter de se exilar na Lituânia, para defender a sua vida e a dos seus filhos, sem deixar por isso de continuar a tentar impor uma mudança de regime.
Nestes casos, a estratégia costuma ser a tentativa de revolução popular. Alexander Lukachenko, depois de 26 anos consecutivos à frente do Estado, está profundamente desgastado e a população está a ser reprimida nas ruas. Diariamente, são detidos manifestantes. É daqueles contextos em que o mais provável desfecho seria a radicalização da população e a tentativa de depor o ditador pela força num momento de maior descontrolo da situação. Mas não. Svetlana e a sua equipa perceberam que uma mudança consequente de regime requeria aliados internos e externos e uma grande dose de paciência.
Quanto à situação interna é preciso que as manifestações se mantenham pacíficas, que não se descontrolem. Também é necessário que os manifestantes não se identifiquem com qualquer tipo de ideologia ou tradição, quer seja eslava, quer seja ocidental. Este tipo de política obriga a manter a neutralidade relativamente ao rumo futuro do país. Daí que o programa de Svetlana seja apenas a marcação de eleições livres, com observação internacional. Uma espécie de mudança pacífica e cautelosa dos destinos do país.
As ruas têm de ter consciência que um derrube atribulado do regime terá, provavelmente, como consequência, um apoio reforçado de Vladimir Putin a Alexander Lukachenko. O presidente russo não morre de amores pelo homólogo da Bielorrússia, mas as ondas provocadas pela prisão de Navalny tornaram Moscovo muito menos tolerante com sublevações em Estados clientes. Minsk terá de tratar sozinha dos seus problemas e, especialmente, prevenir efeitos de contágio. Segundo os líderes da oposição, cabe-lhes conter a população, já que o cenário mais positivo é que o Kremlin não se envolva. Que Putin feche os olhos ao que se passa na vizinhança.
Mas é preciso pressão internacional. Caso contrário, as manifestações acabarão por ser suprimidas, ou pela violência do regime, ou pelo cansaço dos próprios manifestantes. A entrada de Joe Biden na política internacional com a sua disposição de apoiar aspirantes a democratas é, por si só, uma ajuda. A oposição bielorussa percebeu a importância deste momento histórico. Mas é pouco. É preciso um empenhamento europeu neste caso em particular – a geografia a isso obriga. E esse esforço só terá credibilidade se for continuado e persistente.
O que é que a Europa ganharia com esta pressão? Antes de mais, é preciso dizer aquilo que nunca se diz nestes casos, mas que se verifica na maioria das vezes: nada garante que a Bielorrússia transite para uma democracia, muito menos à maneira ocidental. Também é possível que um movimento de massas, ainda mais um contido pela força das circunstâncias, acabe por se dissipar por falta de ânimo.
Mas, muito pragmaticamente, a Europa poderia colher três tipos de benefícios. Por um lado, mostrar ao mundo (e aos Estados Unidos, que esperam esse sinal) que as questões relacionadas com a democracia têm importância. Por outro lado, porque se o plano da oposição resultar, a União Europeia beneficiaria de um aliado na vizinhança, em vez de um país com o qual tem as relações praticamente cortadas há muitos anos. Finalmente, porque ainda que seja muito difícil implementar uma mudança de regime progressiva, se resultar, pode criar-se um modelo de transição de poder que permite o apoio ocidental sem obrigar a uma intervenção musculada. E nesta nova tentativa de “ordem do mundo livre”, mais defensiva que ofensiva, este modelo parece ser o mais conveniente.
Por outras palavras, a Europa pode beneficiar do processo político na Bielorrússia enquanto defende os seus valores. E deve. Até porque Svetlana Tikhanovskaia escolheu o caminho mais difícil e mais longo. E a União Europeia e os países europeus têm o dever de não ser indiferentes a essa escolha.