A recente votação na Região Autónoma dos Açores é exemplar do declínio dos sistemas eleitorais do país, concretamente do abstencionismo, da fragmentação partidária e da iniquidade do sistema de conversão dos votos em deputados. Façamos, pois, o balanço das recentes. Com menos de 44% de votantes efectivos em 230 mil eleitores constantes dos cadernos eleitorais, equivalentes a toda a população do arquipélago, houve apenas 100 mil votos válidos. Tal como no Continente, ao abstencionismo acrescenta-se um número desconhecido de eleitores entre os quais haverá emigrantes e óbitos a abater nos cadernos eleitorais… Isto já dá uma primeira medida das distorções que o sistema eleitoral tem sofrido ao longo do tempo a favor dos dois partidos que têm governado o país.

Aconteceu que o partido governante (PS) perdeu mais de 7% desde as eleições anteriores e teve 39% dos votos, o que lhe deveria dar, num sistema equitativo, 23 dos 57 deputados da Assembleia Regional, mas teve 25… O PSD, que havia precedido o PS nos primeiros 20 anos de autonomia, teve quase 3% mais votos e atingiu praticamente 34% dos eleitores, o que deveria equivaler a 19 deputados, mas valeu-lhe 21, ou seja, mais dois do que lhe corresponderia proporcionalmente… Com efeito, o sistema também foi feito no Continente, de modo a beneficiar os dois maiores partidos do regime, os eternos PS e PPD, tais como Mário Soares e Sá Carneiro os conceberam em 1976.

Com efeito, a esperteza dos pais da pátria inventou tantos círculos como o número de ilhas, tal como os distritos do Continente. No caso dos Açores, foi acrescentado um pretenso sistema de “compensação” para as ilhas com menos habitantes: por exemplo, a menor delas – o Corvo –, com menos de 400 habitantes, elege dois deputados. Não sendo as distorções tão grandes como no Continente, não deixa de se confirmar a desproporção da representação partidária entre ilhas, em vez de criar um colégio eleitoral único sem perda de votos para nenhum partido, o PS e o PSD têm 80% dos deputados com menos de 73% dos votos… .

Entretanto, mesmo desprezando os 6,5% de votos anulados e perdidos por seis pequenos partidos, os restantes sete – cinco mais à direita (CDS, CHEGA, PPM, IL e 115 votos no candidato eleito pela marca +Corvo) e dois mais à “esquerda” (BE e PAN) – somaram 20% dos votos efectivos e distribuíram entre eles os restantes 11 lugares no Parlamento autonómico, quando lhes competiriam 14: pequenas vantagens e desvantagens que podem, todavia, dar ou tirar poder à coligação com menos votos!

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Em suma, juntando os deputados à “esquerda” e à “direita”, o segundo grupo comanda 29, enquanto o primeiro comanda apenas 28. Independentemente do abstencionismo e das distorções do sistema eleitoral, a verdade é que, enquanto o grupo dito de “direita” (PSD+CDS+CHEGA+PPM+IL+Corvo) teve 52.637 votos nos seus 29 eleitos, o grupo à “esquerda” (PS+BE+PAN) teve apenas 46.667 votos. Mesmo sem os votos do Chega (5.260), o PSD e a “direita” convencional têm mais votos do que o PS e eventuais acólitos. Não há dúvida, pois, que o grupo de deputados encabeçado pelo PSD e CDS recebeu o voto da maioria dos eleitores.

Depois do golpe parlamentar dado em 2015 pelo actual líder do PS, ao cooptar depois das eleições dois partidos anti-democráticos (PCP+BE) a fim de se guindar ao poder contra a vitória da coligação PSD+CDS, ficou definitivamente ultrapassada a lei não escrita, segundo a qual quem devia governar era o partido ou a coligação pré-eleitoral com mais votos… Algo semelhante havia já sido tentado pelo PS em 1987, ao derrubar no Parlamento o governo legítimo, mas minoritário, de Cavaco Silva, eleito em 1985. O novo líder do PS, Vítor Constâncio, ainda pensou em formar Governo, mas Mário Soares, há pouco eleito Presidente da República, não lho permitiu, dissolveu o Parlamento e convocou eleições que Cavaco ganhou com mais de 50% para os próximos dois mandatos!

Concluído este exame às eleições dos Açores, o PS poderá vir a ser convidado a formar Governo como partido mais votado mas, na presente conjuntura, é improvável que a maioria dos deputados eleitos deixe passar tal nomeação! Chegados aqui, o líder do PSD açoreano, José Manuel Bolieiro, deverá ser convidado a formar Gverno e, com autonomia em relação ao imprevisível Rui Rio, terá a possibilidade de formar Executivo e acordar com os partidos opostos a um Governo PS, um programa apoiado pela maioria dos deputados. Na presente conjuntura, não é impossível que uma coligação liderada pelo PSD suba ao poder nos Açores. Seria o primeiro passo para pôr termo ao actual Governo português, o regresso a um efectivo pluralismo e, porventura, a revisão do sistema eleitoral! Até lá, o importante é afastar uma “esquerda” não só autoritária, como incompetente!