Clama o «Expresso» de ontem que «o céu é o limite». A jornalista Luísa Meireles está a falar com entusiasmo da hipótese – a expressão é dela – de o PS se aliar ao PCP e porventura ao BE a fim de derrotar a maioria eleitoral cada vez mais provável da Coligação PàF. Mas é mais do que uma hipótese. Permito-me aliás recordar que há uma semana que aqui tive oportunidade de anunciar essa dupla probabilidade. Na altura, porém, só alguns comentadores perceberam o que se estava a preparar. Nem o Observador reagiu então à evidência da probabilidade aritmética de a Coligação, se ganhar no próximo domingo com maioria relativa, estar a franquear a porta à probabilidade política de o PS, em desespero de causa, depois de já ter anunciado que nunca deixaria passar um orçamento da Coligação, dar a entender claramente que estava disponível para se aliar à «esquerda» a fim de derrubar um governo minoritário da dita Coligação.
A aparente invisibilidade daquilo que se está a preparar deve-se possivelmente ao facto de pouca gente gostar de notícias tão más como a de ter em breve no poder uma «frente popular», com a participação directa do PCP num governo maioritário de «esquerda», como vários leitores já estavam então convencidos, ou então com o PCP de fora a controlar o PS com a ameaça de o fazer cair no parlamento se o governo pretendesse pôr em causa alguma das «linhas vermelhas» do partido comunista, como por exemplo as promessas de corte da TSU ao patronato ou de uma lei de flexi-segurança laboral como a anunciada, em boa hora aliás, por Mário Centeno.
Porém, o silêncio quebrou-se de vez nas últimas 48 horas quando António Costa terá admitido semi-publicamente, segundo parece, já estar disposto a votar contra o governo proposto pela Coligação no caso de esta não atingir a maioria absoluta, coisa que, neste momento, ela parece ser no entanto a única força partidária capaz de lá chegar. Desfraldadas as bandeiras vermelhas da «união da esquerda», os comentadores precipitaram-se para preparar o «centro» do país e do próprio PS para esta novidade absolutamente inédita na política portuguesa desde 1976.
O «céu é o limite!», exclama o «Expresso». Já só uma coisa pode impedir a «esquerda» de chegar ao céu: é a maioria absoluta da Coligação. Como eu próprio escrevi há uma semana, não é de crer, conforme alguns comentadores improvisados vêm agora propor, que o CDS se destaque do PSD, mesmo que a Coligação só tenha maioria relativa, para se aliar ao PS, como o fez no passado quando este levou Portugal à primeira bancarrota de 1978, aliás. O eleitorado espera que Passos Coelho tenha Portas mais amarrado à Coligação do que Soares e Constâncio tinham então Freitas e Basílio, que pouco depois se juntavam ao PCP e ao PSD para mandarem o PS para casa…
A falta de memória em Portugal chega a ser tocante. Sem surpresa, homens do miolo do aparelho socialista como Vítor Ramalho, soarista e socratista indefectível, perguntavam sábado passado, num suplemento gratuito do «Expresso» distribuído no distrito de Setúbal, sob o título dramático «As eleições e a falta de vergonha»: «O que é que esta direita quer? Que o PS atraiçoe a vontade popular?», ao mesmo tempo que estendia o peditório do «voto útil» no PS aos renitentes do PCP e do BE…
Esta última hipótese é, de facto, tudo o que resta ao PS neste desastroso fim de campanha para não se deixar ultrapassar pelas aparentes intenções de voto a favor da Coligação. Para esta, ao invés, o anúncio de uma «frente popular» a caminho, é evidentemente a melhor notícia que podia ter e que talvez já se esteja a reflectir em algumas sondagens mais favoráveis, como a de hoje no Público (Universidade Católica). Pois bem, eu acrescento o seguinte, não só por razões tácticas óbvias, mas sobretudo por motivos políticos que pessoalmente defendo desde 2009, quando Sócrates perdeu a maioria absoluta: sendo natural que a Coligação ambicione a maioria absoluta, todavia, seja essa maioria absoluta ou relativa, o que a Coligação deve fazer politicamente nestes últimos dias da campanha é repetir à exaustão a sua disponibilidade para formar com o PS um governo de «salvação pública» – mais do que um mero «bloco central» – a fim de superar os enormes atrasos que o país acumulou devido ao laxismo sócio-cultural e ao desperdício económico-financeiro. O PS que escolha com quem quer aliar-se e verá o que se passará, se não nestas, nas próximas eleições daqui a seis meses, quando o novo presidente da República for eleito!
Com efeito, apenas um ignorante impenitente ou um adversário figadal da modernização, da desestatização, do desenvolvimento sustentado e de um crescimento necessariamente austero, como aqueles que correspondem a uma sociedade antiga e envelhecida como a nossa, é que não entendem que só na União Europeia, no espaço do «euro» e com um Tratado Orçamental rigoroso é que tal recuperação e consolidação poderão ter lugar. Não é uma questão ideológica, muito mesmo partidária. É uma questão histórica, sócio-cultural e institucional. O nosso limite não é o céu; assim fosse. É cá na terra, na Europa, à qual sempre pertencemos mesmo quando fingimos esquecer isso.