“Viva a liberdade
Viva a alegria
Já não há patacas
Na tesouraria”

Música que se cantava no Quartel de Infantaria 2, em 1835.

Não digo que tem pouco, digo que não tem nada.
Ministro da Guerra, no Parlamento, referindo-se ao Exército, em 28/6/1914.

O “Comandante Supremo” surpreendeu aparentemente algumas almas cândidas ao falar exclusivamente sobre as Forças Armadas (FA) e militares, no discurso do pretérito dia 25 dos cravos. E desta vez fê-lo mais em tempo de presente e de futuro e não tanto em termos de passado.

O discurso teve eco – embora fraco – durante duas semanas.

Há décadas que se conhece a contínua degradação do aparelho militar do Estado e da Nação Portuguesa que a irresponsabilidade e o propósito político têm acicatado e a “dormência” das chefias militares sobre os seus deveres e responsabilidades tem potenciado.

O Presidente da República também está fartinho de o saber e também pactuou ao longo da sua vida com o que se ia passando. Resolveu agora acordar da sua letargia e gritar, como antigamente, “sentinela alerta”, mas o seu eco perdeu-se no silêncio do espaço. Esqueceu-se, porventura, de que já não havia sentinelas para lhe responderem “alerta está”?

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Porque o fez agora? Bom, o momento era oportuno, por causa da emergência da guerra, ou lá o que seja, que está a acontecer na Ucrânia, com a OTAN a gritar às armas e a UE a dar-se conta (coitadinhos), de que não têm armas nem pessoal, nem vontade para fazer nada. Resta-lhes dinheiro (emprestado) para atirar sobre os problemas.

Viu ainda (o PR) uma oportunidade de enviar umas farpas ao Governo, o que parece ir passar a ser uma constante; só não arrisco uma data para a queda do fair play.

E como se pediu qualquer coisinha a Portugal, nem mesmo assim quiseram assumir que têm muito pouco, para não dizerem que não têm nada, como o ministro em 1914.

A pobreza, mais do que franciscana, do desfile militar que quis comemorar o feito da Travessia Aérea do Atlântico Sul (possivelmente o maior feito individual dos portugueses em todo o século XX), foi disso testemunho. Até passámos pela vergonha de o maior navio que por lá passou ter sido um destroyer espanhol, cujo racional da sua presença também não se entende (que raio é que os espanhóis tiveram a ver com o evento?).

Ora, a nós parece que o PR não está muito preocupado com o estado terminal das “suas” tropas – que ele alardeia, algo ridiculamente, serem as melhores do mundo! –, senão já teria feito algo com substância, pois tal atitude não deve depender de um alarme qualquer nem de uma situação que o resguarde de eventuais críticas.

Além de que as capacidades se perdem muito rápida e facilmente, ao passo que levam muito tempo a construir. Mas, enfim, vale mais tarde do que nunca, como sói dizer-se.

Não sendo o presidente atacado, também ninguém lhe ligou nenhuma, sendo apenas secundado nas suas preocupações por meia dúzia de comentadores e artigos de opinião. A começar pelo (novo) governo que no seu estilo paliativo, de esconder com uma mão o que faz com a outra e a lata costumeira veio dizer que estava tudo bem (sem deixar de afirmar que, sim senhor, é preciso reforçar o esforço na Defesa e blá, blá) e que as verbas (até) já estavam todas previstas no novo Orçamento de Estado (OE), naturalmente equiparado à oitava maravilha da Antiguidade.

Aliás, o orçamento era tão bom que foi logo objecto de uma facada de 800.000 euros, no âmbito da Defesa; foram ao orçamento da parte relativa à Marinha, da Lei de Programação Militar (LPM) e sacaram-lhe cinco milhões de euros para pagar (eu diria financiar) um qualquer acto de gestão de uma “ficcionada” empresa (pública) de defesa, que devia ser paga através de verbas de outra rubrica do OE e continuam a fazer derrapar essa mesma LPM – até hoje não houve uma única que tenha sido sequer razoavelmente cumprida. Esperemos que o Tribunal de Contas não deixe de verificar esta operação (a dos cinco milhões) que parece muito mal contada.

Da nova Ministra da Defesa – finalmente chegou cá a moda idiota de pôr uma mulher à frente da Defesa, só porque sim – nada há a esperar, pois mesmo que quisesse fazer algo não a deixariam (tão pouco teria sido escolhida), além de que parece apenas interessada em coisas como a “igualdade de género”, o “racismo”, a integração de minorias sexuais, assexuadas, ou nem por isso, na “linguagem inclusiva”, etc., e, naturalmente, em tirar fotografias bonitas com todos. Ou seja, pode continuar a limpar as mãos à parede.

Nunca deve ter ouvido um tiro, nem em carreiras do dito, mas como já anda no meio faz tempo, conhece as siglas e o linguajar, pelo que terá mais jeito para o discurso redondo sem dizer disparates ou correr o risco de não entender os relatórios que porventura lhe façam sobre os paióis de Tancos, como o Tribunal de Santarém reconheceu ser o caso do seu antecessor Dr. Azeredo Lopes.

O seu querido primeiro-ministro Dr. (pró LGBTQ, etc.) Costa, que já mostrou ter uma personalidade algo vingativa e, seguramente assanhado, pelas trapalhadas havidas com o seu ministro Cravinho, com as contrariedades surgidas na substituição do anterior Chefe da Armada e com o mau hálito que ficou da discussão sobre a escusada reorganização da estrutura superior das FA, vai continuar a castigar a “tropa”, com o seu natural e democrático, desprezo e desdém. Para já fez uma “chicuelina” ao PR. Olé.

Como a pressão deve ter sido alguma relativamente à actualização dos vencimentos e à gestão normal das promoções – um escândalo inadmissível que vem do tempo da “troika” (e se foi mantendo até hoje), medida dez vezes mais gravosa do que o malfadado decreto-lei 373/73, que deu origem ao 25 do quatro) e que só se mantém por inusitada perfídia política e correlativa cobardia nas fileiras, lá prometeram tratar de um e de outro. Mas não disseram quando…

E todos, de um modo geral, puseram de lado a hipótese de se voltar a um serviço militar que abrangesse a totalidade dos cidadãos.

A senhora ministra veio até dizer que o SMO (que nunca quiseram que fosse “serviço” nem “militar” nem “obrigatório” – cruz credo), não serve as necessidades das FA de hoje. Senhora ministra terá que explicar isto melhor. Mas eu vou ajudá-la: o SMO não tem propriamente a ver com as FA, mas sim com a Defesa e Segurança (conceitos com os quais o seu ministério nunca se preocupou). Tem a ver com as componentes cívica e moral dos jovens e com a coesão do todo nacional. E tudo isso não é contabilizável em euros.

É evidente que nem todos os chamados às fileiras fariam parte da componente operacional permanente a haver, para a qual seriam selecionados apenas uma parte, mediante adequada formação e compensação, ao contrário do que se passa agora, em que nem sequer os nacionais querem concorrer, tirando alguns “migrantes”. Já se interrogou porquê? E quer ouvir a verdade? (olhe que o mesmo problema já chegou também à PSP e à GNR, diria até que aos professores da primária e do liceu).

E teria que se montar um sistema de treino de reservistas (a sério), para se dispor de reservas minimamente credíveis – como por exemplo, se deu agora a conhecer que os finlandeses possuem.

Não parece, pois, que algo vá mudar. As causas dos problemas continuam viçosas e ninguém, repito, ninguém (e desta vez é mesmo ninguém) as quer ver, muito menos apontar.

Resta-nos cantar então, com a alegria dos infantes do “Dois”, nos idos de 1835.