Quem nunca foi a uma reunião de condomínio não é verdadeiramente adulto. Faz falta, acreditem. Afinal a partilha de espaços ao que parece comuns mais o karma dos elevadores, sem esquecer a problemática dos cheiros e ruídos produzidos por animais e humanos a que a propriedade dita horizontal nos conduziu é não só uma experiência pessoal e intransmissível – cada condomínio é um caso único – como uma espécie de ritual de entrada no mundo adulto deste século XXI.

Desde que na segunda metade do século passado, no início de cada ano, milhares de portugueses se lançavam à estrada com cães, atrelados, respectivas caçadeiras e uns extraordinários coletes para, segundo diziam, “irem à caça” que não se assistia a um acontecimento com esta dimensão ritual, com uma vantagem óbvia: as reuniões de condomínio não provocam filas quilométricas nas estradas. Já no que ao sistema nervoso respeita o caso é bem outro pois tanto quanto recordo os alegados caçadores regressavam regra geral desses fins-de-semana quase sem caça mas satisfeitíssimos. Pelo contrário no que respeita às reuniões de condomínio o caso é bem outro.

Uma pequena pesquisa sobre condomínios e tribunais leva-nos a um mundo de conflitualidades que ultrapassa tudo aquilo que a imaginação humana alguma vez previu: a polémica em torno do r/ch que paga ou não elevador substituiu as pretéritas discussões sobre a passagem da água no mundo rural. Apenas mudou o cenário e, para bem de algumas cabeças, desapareceram as enxadas.

Assim no momento do ano em que os nossos pais e avós partiam à caça do pato-trombeteiro mais do zarro-comum e do zarro-negrinha (como devem calcular copiei isto tudo de um calendário venatório pois não percebo nada de caça ao contrário do que devem supor as almas indignadas com o exemplo que fui buscar) nós andamos atarefados com esse extraordinário acontecimento que responde pelo nome de Reunião de Condomínio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos dias de hoje qualquer português que se preze consegue apontar uma boa meia dúzia de cromos do condomínio: ele é o porreiro-simpático que diz que não que saber de nada até ao dia em que lhe cai um pingo em casa e de imediato passa a acusar os outros condóminos de não se interessarem pelos problemas do prédio; o litigante infatigável que cita regulamentos atrás de regulamentos e que acaba a vencer os outros pelo cansaço; o que não paga as quotas mas é o primeiro a barafustar caso os elevadores estejam avariados; o que nunca pode ser administrador porque “não tem tempo”, argumento fabuloso que pressupõe que aos outros, pelo contrário, esse problema não os aflige ou mais espantosamente ainda “porque não percebe dessas coisas” (e os outros têm de perceber ou terão nascidos ensinados?); o condómino que sonha mais alto, ou seja, que sonha fazer arrecadações no sotão do prédio (só a psicanálise conseguirá explicar a fixação que os portugueses têm com arrecadações!) A isto junta-se o cromo da empresa da gestão do condomínio que já mudou três vezes (a empresa não o cromo) sem esquecer o cromo-pesadelo da luta de classes aplicada à porteira. Enfim, não andassem os antropólogos a tentar fazer um homem novo certamente que já teriam percebido como a reunião de condomínio lhes daria matéria para assombrosas descobertas.

Contudo há quem esteja atento às potencialidades do condomínio para a sua táctica de controlo da vida dos demais, ou melhor dizendo, de lha infernizar através das suas ideologiazinhas totalitárias. E assim depois de termos visto como se procura através dos condomínios boicotar o alojamento local, temos agora os activistas do costume visitados prontamente pelos deputados do costume, a ensaiarem a performance da ocupação, com o pormenor não dispiciendo de os actores da ocupação se proporem ficar a gerir o condomínio ocupado, recebendo as rendas, naturalmente com as obras a correrem por conta dos contribuintes. Recapitulemos à mais recente destas performances: em Setembro de 2017 uma auto-denominada Assembleia de Ocupação de Lisboa ocupou um prédio em Arroios. Notícias emocionadas davam conta da faixa onde se lia “A cidade é de quem a ocupa” colocada pelos membros da dita Assembleia de Ocupação de Lisboa (os membros desta assembleia são eleitos onde e por quem?). Os ocupantes, onde pontuava um engenheiro de 40 anos, diziam-se em protesto contra o avanço da “especulação imobiliária” que tem contribuído para o aumento das rendas e do preço das casas e empurrado as pessoas para fora da cidade. Certamente o referido engenheiro, apesar dos 40 anos (ou talvez por causa deles), nunca foi à Amadora, à Cova da Piedade ou a Vialonga para onde as pessoas foram empurradas desde os anos 60/70 do século passado porque em Lisboa não havia casas para alugar. Nem caras, nem baratas. Não havia. E não havia porque sucessivas leis ditas de protecção aos inquilinos acabaram com o mercado de arrendamento.

Mais espantosamente ainda, o prédio ocupado em Arroios nada tinha a ver com a especulação imobiliária mas sim com o desleixo municipal pois o dito edifício é propriedade da autarquia que o mantinha devoluto e a degradar-se. Mas enfim, o que mediaticamente conta é que a referida Assembleia de Ocupação de Lisboa anunciou ir fazer ali um espaço “aberto à comunidade”, expressão que em Portugal se traduz geralmente por muita parra, pouca uva e imensa pedincha de dinheiros públicos.

Chegado Janeiro, a CML accionou o despejo, para consternação dos elementos do Bloco de Esquerda que estiveram no local, pois para o deputado municipal Rui Costa a ocupação, embora “irregular, reflete num espírito de ação direta as dificuldades que as pessoas sentem com a habitação em Lisboa”.

Como é óbvio estamos politicamente perante um episódio da pressão a que o BE submete o PS na autarquia de Lisboa mas não só.

A habitação é um terreno mais que propício para a demagogia, a compra de votos, a instalação de comissários políticos, gestão de clientelas…

Com a CML transformada num palco de luta dentro da esquerda (são antológicas as cedências de Fernando Medina à CGTP, para não ter de se confrontar com uma greve na recolha do lixo, o presidente da autarquia cedeu em tudo: até subsídio nocturno a trabalhadores que estão de férias vai ser pago!) e com o PS a querer intervir cada vez mais na habitação, é de esperar a multiplicação de assembleias de ocupação, plataformas disto e movimentos daquilo.

Basta prestar o mínimo de atenção ao que acontece e aconteceu em Espanha (país onde as ocupações de casa se tornaram palco de histórias, dramáticas como as dos avós que foram ver os netos e ao regressar descobrem que têm uma família a viver na sua casa, ou anedóticas como as dos carros que não podem ser retirados dos parques privados e assim estão anos e anos a ganhar pó no aeroporto de Barajas) para perceber como a ocupação de casas se tornou uma espécie de viveiro do radicalismo político.

Afinal, enquanto meio mundo anda farto dos condóminos e de condomínios há quem tenha percebido que o caso politicamente falando até pode ser bem interessante desde que se apanhe o condomínio certo.