Escrevo em tempo de marchas e marchinhas para recordar a eficácia e a atualidade de uma prática secular, em Lisboa desde o século XIII.
Tenho os pés bem assentes neste tempo que celebra o dia mundial do ambiente, com a sustentabilidade a ter parte de leão nos mandamentos seculares, os ai Jesus que são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Não me enraízo numa bolha de um mundo à parte, ou retrógrado, cego ou inimigo do desenvolvimento, a negar o (a bem ver) maravilhoso mundo em que vivemos. Sim, também eu dou para o peditório da sustentabilidade! Mas faço-o na condição de procurar viver a raiz da tão apregoada sustentabilidade, num encontro que se vai construindo numa sustentabilidade integral – para usar o termo que o Papa Francisco tem usado nas suas narrativas para caracterizar a ecologia e o desenvolvimento que a Igreja nos propõe.
Vivo neste tempo laico e secular que se anima com uma visão do mundo para a qual se Deus existe não importa, como lembrou o acutilante e existencial teólogo e filósofo italiano Cornélio Fabro.
Volvida uma considerável distância do Concílio Vaticano II, muito está ainda por lembrar e praticar, designadamente a tarefa de tornar visíveis e públicas as razões da necessidade do Deus de Abrãao, Isaac e Jacob para o mundo de hoje.
A isso vem Francisco nas JMJ 2023. Nisso podemos centrar as nossas energias, neste mês de Junho tão rico de juventudes em festas e marchas, que não se resignam aos múltiplos restelos de marcar passo.
Melhor será então dizer que, usando o lado B daquele proeminente tomista, se Deus não existe importa sim! Do que vale uma sustentabilidade coxa, que põe o horizonte em Horizons 2030, 2050, e por aí? Século a mais, século a menos, o que é isso ao olhar dos homens, ao meu olhar? Nisto estou com Fernando António e amanhã dou o corpo ao manifesto na Procissão do Corpo de Deus, nas ruas de Lisboa desde o reinado de D. João I.
De que me vale ganhar mais e melhores anos se me vier a perder, os meus filhos e eu? A questão é filosófica sim, mas antes de mais, a questão sai da boca dos que têm o coração nas mãos. Viver sem este respiro dá à vida uma dimensão apoucada, uma espécie de raquitismo da razão que demite qualquer tentativa de explicação do real que seja cabal. Não estou interessada num sutentabilidadezinha mas sim numa que tenha pernas para andar até ao infinito do meu perguntar. Cada um tem nas rédeas o cavalgar do seu ímpeto inteligente. E há os que desistem sem sequer terem ainda começado.
O Papa Urbano IV, em 1264, não se limitou a lembrar a promessa de Deus, que ficaria, pela Eucaristia, como alimento dos homens até ao fim dos tempos (Mateus 28, 10), mas decidiu instituir uma Festa ou Memória desse Sacramento “designando um determinado dia para o efeito, ou seja , na quinta-feira seguinte ao domingo seguinte à festa de Pentecostes” (Bula Passando Pelo Mundo,1264). O nosso feriado do Corpo de Deus.
Venham argumentar dizendo que há razões para negar a existência de Deus. E que há razões que negam que Jesus é Deus e que não morreu nem foi crucificado sob Pôncio Pilatos. Qual dos dois lados da história corresponde à realidade? A pergunta de Pilatos – “O que é a verdade?” – incomoda a exigir resposta. O trabalho que ela exige não prescinde do testemunho dos que há cerca de 2.000 anos têm abonado a favor do lado A, dando a vida por Cristo, que por eles e por todos os homens morreu e voltou à vida.
As razões da experiência e da história calam as vozes que pretendem evidenciar que Deus é mentira. Santo António é delas esplendor, tanto na sua vida com na sua palavra, os seus brilhantes sermões, tão pouco conhecidos entre nós. Ele é o intelectual que agradou aos pobres, distinguindo-se assim do seu amigo S. Francisco “o pobre que agradou aos intelectuais”.
Lisboa já tem Sol mas cheira a Lua, soam a marchas populares em sintonia com a fé que sabe ter encontrado Aquele que tudo sustenta. Um Deus que não ficou nas alturas mas que passa por nós, pela Igreja, como a lua, que não tem luz própria.
Amanhã D. Manuel, eficaz e atual, ostenta em mãos de barro a Salvação dos homens a passar por Lisboa, para todo o mundo. A única que realmente nos salva.