Crescemos sabendo que a morte é definitiva. Que a morte é para sempre. Que não há volta a dar, não há nada mais que se possa fazer. Todos sabemos disso, não há dúvida. Mas existe uma diferença entre para sempre e nunca mais. O para sempre tem ares de contos de fadas. O nunca mais tem ares de filme de terror. E pouco se fala sobre a morte ser o nunca mais.

Foi um amigo que perdeu a mãe para a Covid quem me disse isso: o que mais me dói é saber que agora é nunca mais. Nunca mais vou vê-la, nunca mais vou abraçá-la, nunca mais vou poder conversar com ela. Quando ouvi isso- pouco tempo depois de perder meu pai não parei para refletir com calma. Achei uma constatação um tanto quanto óbvia, uma dor absolutamente natural, quiçá previsível.

Mas os meses se passaram, até consolidarem-se em um ano. Depois vieram mais alguns meses da minha perda e um dia, no cenário mais inesperado, o “nunca mais” bateu para mim. Eu estava na fila preferencial do supermercado, já grávida, e na minha frente estava um senhor na casa dos 70 anos, como era meu pai, antes de partir. Ele não se parecia com meu pai, nem havia qualquer outra razão de conexão. Ele conversava com a atendente sobre um produto que não havia encontrado e ela confirmou que o produto tinha saído de linha. Não haveria mais.

A junção das coisas – o homem cuja idade regulava com a do meu pai, meu estado emocional de gestante, a frase da moça que trabalhava na linha de caixa “saiu de linha, não vai ter mais” – geraram uma combinação bombástica no meu cérebro. Comecei a chorar ali mesmo, sem nenhum tipo de pré aviso. Me virei de costas, enxuguei o rosto com o dorso da mão, não queria que me oferecessem ajuda, nem queria dar algum tipo de explicação.

Nunca mais. Nunca mais é absolutamente diferente de para sempre. A memória do meu pai existirá para sempre. Sua presença em mim existirá para sempre. E isso é bonito, é consolador. Mas eu não vou vê-lo nunca mais. Ele nunca mais irá ao supermercado, nunca mais chamará um atendente para fazer uma pergunta, nunca mais se dirigirá aos caixas para fazer um pagamento. Assim como aquele senhor ouviu que o produto que ele desejava nunca mais voltaria, eu ouvi, nas entrelinhas, que meu pai nunca mais voltaria.

Há coisas na vida que são tão óbvias, mas tão óbvias, que tentar explicá-las é uma tarefa absolutamente ingrata e sua compreensão será sempre falha e insuficiente. É assim com o amor materno e paterno. É assim com a morte. São duas pontas da mesma linha. Uma linha simples e banal, mas que passamos a vida inteira tentando entender, ou pelo menos aceitar. Para sempre, nunca mais, todo dia, bem vindo, adeus. Tudo tão óbvio. Tudo absolutamente incompreensível.

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