A conhece B, tipo engraçado, com alguma pinta, bem falante, cheio de ideias e promessas, havendo uma identificação imediata quanto a princípios básicos. B, aproveitando-se dessa inebriação néscia de A pela sua figura e discurso, pede-lhe para assinar um papel em branco. É um contrato de confiança, diz. A nega-se, argumentando que, em circunstância alguma, lhe dará poderes para fazer de si e consigo o que ao outro lhe aprouver, sem qualquer sindicância ou possibilidade de revogação. Remata dizendo que, mesmo quando se casou, os votos foram feitos em público, devidamente ajuramentados, depois de período probatório e que, acima de tudo, era contrato que podia resolver a qualquer momento. Nem pensar, portanto! O que parece lógico, diga-se em abono da verdade.
Contudo, em cada acto eleitoral, A assina esse papel, em branco, sem conhecer o noivo e sem que detenha qualquer poder de o revogar. Não há obrigação de contrapartida e se as promessas forem quebradas não há cláusula de salvaguarda. Mas A está bem com isso e até se regozija quando aquele alcança tal poder. A até conhece Weber e Kelsen e está bem familiarizado com a teoria do contrato social de Rousseau, que admira e acha que deveria ser efectivado. Mas está derretido com as bochechas de B, deliciado com as covinhas que faz quando ri, inebriado com o seu cheiro e até lhe desculpa os perdigotos que passou a achar sexys e parte do charme… B nada lhe dá em troca, pelo contrário, mas manterá as covinhas e os perdigotos por tempo indeterminado.
Nós, que fazemos test drives antes de comprar a viatura (às vezes antes de casar, também), que accionamos as extensões de garantia quando compramos um telemóvel novo (e pagamos por elas!), assinamos uma carta em branco com poderes quase ilimitados quando votamos. Não pedimos contratos, não pedimos garantias, simplesmente confiamos. E confiamos não porque o outro mereça, antes por uma necessidade psico-sociológica de o fazer. A expectativa que temos é que o outro seja honesto e competente. Ainda que não o seja – e tenha provas bastas nesse sentido, confiamos. É um acto ilógico e irracional, mas que nos conforta moralmente. E sentimos uma necessidade inexplicável de defendermos a nossa escolha muito para lá do limite do razoável.
O outro, sentindo-se cada vez mais empoderado, acha que tudo lhe é permitido, porque o séquito é fiel e maniqueísta. Sente-se Deus a cada quatro anos.
O que pedimos (e deveríamos exigir, não pedir!) é que os eleitos fossem honestos e competentes.
No Portugal actual, a honestidade pede meças à competência, em níveis muito abaixo do mínimo. Uma e outra navegam curvas descendentes sem paralelo histórico, que insistem na tendência e a sublimam.
Se os processos judiciais contra actuais e ex-governantes se sucedem em catadupa, os exemplos de desonestidade intelectual e moral são gritantes e transversais às várias forças políticas. E quem tem dever acrescido de expurgar tais comportamentos, trai as suas obrigações institucionais, verga-se, conforma-se e ainda apadrinha.
Quanto à competência, esta não se avalia por declarações mais efusivas e por gráficos coloridos, mas mal somados. E não pode a cor política ou a militância titulada por cartão plastificado legitimar o absurdo.
A política do Governo de combate à pandemia é deplorável e merece veemente repúdio. Se fosse inexistente faria menos danos.
Em Maio, foi anunciado pela boca do Primeiro-Ministro, um novo surto a partir de Outubro. Tal anúncio data de Maio, pelo que muito tempo haveria para consolidar políticas, definir estratégias, implementar medidas ou reforçar sistemas. Não foi feito. Ao contrário, permitiram-se espectáculos, promoveram-se ajuntamentos e patrocinaram-se eventos, para uns quantos privilegiados, porque isto das excepções, já se sabe, nunca toca a todos. Perante a confirmação do desastre por demais anunciado, enjeitam-se as responsabilidades e vai de atirar culpas para o povo que não se sabe comportar, para os organizadores que não cumprem as instruções, para as instituições que não tomam as medidas adequadas. À boa maneira do pai que diz: “Dei-te liberdade. Não a soubeste usar! Confiei em ti. Falhaste (-me). Agora sujeitas-te às minhas regras.” E o filho aceita o castigo, achando-se merecedor do mesmo, não questionando a sua justeza, proporcionalidade ou adequação…
Confina-se um povo a pretexto de uns gráficos familiares que podiam ter sido elaborados por uma criança de quatro anos. Sem qualquer base científica, sem que os números sejam fidedignos, sem que se olhe para a (in)eficácia de algumas medidas tomadas por outros países. Confina-se, porque tem que se fazer alguma coisa, mantendo a aparência.
Restringem-se os contactos familiares como se eles não existissem nos restantes dias da semana, ou como se os repastos não pudessem ocorrer nas noites de sexta-feira. Omite-se (ou nem sequer se pensa) a solidão a que estarão vetados os mais velhos, aos quais muitas vezes, apenas têm esses contactos semanais com a família. Um Governo que se diz preocupado com os mais desprotegidos e que não apresenta um plano para os lares, para os desempregados, para os sem-abrigo. Que não se preocupa em realizar um estudo credível e independente sobre a saúde mental pós-confinamento de Março. Que impede a venda de bebidas alcoólicas nas superfícies comerciais após as 20 horas, sem que exista racional subjacente, e que nega os contágios nos transportes públicos. Que impõe restrições à circulação por decretos de constitucionalidade duvidosa. Que mascara a sua incompetência com a condenação grandiloquente de acordos políticos, cujo precedente legítimo foi por si criado.
Confina-se porque é fácil e o povo é obediente… É o filho que aceita o castigo!
Frederick Gary Allen disse: “O socialismo não é, nem nunca foi, um movimento de massas oprimidas, e sim de elitistas famintos por poder. Os pobres são apenas os fantoches do jogo.”
Ah, mas aquelas covinhas e perdigotos são tão sexys… Pobres de nós!