Qualquer miúdo de quinze anos sabe que uma equipe se começa a construir de trás para a frente, quanto mais não seja por ouvir o argumento repetido ad nauseam pelos treinadores, quer os de bancada, quer os encartados, e jornalistas desportivos. O 6 é, comummente, referido como o pêndulo de uma equipa – o que tem por missão destruir as ofensivas contrárias e começar a organizar o ataque. É, no plano táctico, um dos, senão o, jogador mais importante do conjunto. O que se lhe pede (e não é pouco!) é que seja certinho, eficaz, previsível (no bom sentido). Não se lhe exigem lances de génio, dribles estonteantes, desmarcações visionárias e golos impossíveis – esses estão reservados para os artistas, com os 9 e 10 no dorso.

Os primeiros podem ser deuses pela sua omnipresença; os segundos, quando o são, são-no pela sua intangibilidade.

Pese embora a condição cósmica de ambos, certo é que Júpiter, Marte ou Vénus sempre colheram mais acólitos que Ceres, Concórdia ou Lares. Os Messis, Ronaldos ou Maradonas sempre gozaram de mais fama, protagonismo e adeptos que os Redondos, Paulos Sousas ou Roys Keanes. O público vai ao estádio confiando na segurança, raça e capacidade de abnegação dos segundos, para vibrar, delirar e se deleitar com a imprevisibilidade, a genialidade e singularidade dos primeiros.

Serve o introito futebolístico para discutir a liderança do PSD. Rio é um 6! Um excelente 6, um dos melhores a nível mundial, daqueles que terá um lugar na História, mas com o complexo matemático que a subtracção por 3 ou 4 lhe impõe. Jamais será um 9 ou um 10. Jamais será a estrela maior. Jamais será um Júpiter.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nenhum mal adviria de tal facto, tivesse Rio a capacidade para aceitar o que a sua mesquinhez não permite. Conforma-se com o facto de ser um 6, mas convive mal num universo onde existem 9 e 10. Não percebe e não concebe os aplausos para os outros. Não percebe e não concebe que àqueles esteja reservado o carinho dos adeptos, o vibrar das bancadas, a loucura, o sonho… E, pior, não percebe nem concebe como é que qualquer mortal os sente como um prolongamento de si, como parte da família, como se também lhes pertencessem…

Do alto da sua sobranceria esculpida no granito do Porto, Rio não percebe, não concebe e não aceita que os militantes do partido não o entronizem enquanto deus. O partido é um engulho, um obstáculo que terá que superar para chegar à nação.

Rio, de facto, nunca percebeu as gentes do PSD. Nunca desceu do Olympum para curar de entender que dentro das muralhas do partido, dos cânones, dos rigores orçamentais, há todo um pulsar próprio das gentes, um fervor de sangue, o desejo de conquista e o sonho do impossível. Esse “impossível” é uma matriz ideológica que se tem vindo a perder, que se tem vindo a descentrar; é uma equação que encontra o seu equilíbrio entre uma visão tendencialmente liberal da economia e um estado regula(menta)dor com um humanismo sociológico bem vincado.  Ora, Rio é um tecnocrata, jamais será um humanista, daí tentar (re)educar um partido, à sua imagem, como se tal fosse possível, como se os sociais democratas aceitassem uma submissão ideológica ad hominem

O partido é muito mais que os ódios pessoais que resultam da inveja, da tacanhez e da insegurança, devendo valorar a divergência de opiniões, a liberdade de expressão, a pluralidade de visões e a existência de alternativas. O partido é tudo aquilo que permitiu (e permite!) a Rio ser o seu líder, mesmo depois do seu percurso interno, crítico, desviante e até acintoso.

Há anos, terminado o seu ciclo na Invicta, Rui Rio lançou mão da expressão “Democracia adulta”. Duas coisas que ele não soube ser durante a sua presidência. Entendeu que poderia (e deveria!) condicionar o sentido de voto tripeiro como se o Porto fosse a sua coutada. E que poderia (e deveria!) fazê-lo com ataques soezes, pessoais e pessoalizados, olvidando o respeito pessoal e institucional e inanindo o dever de solidariedade partidária, sobretudo num momento tão débil para o Governo e o seu partido. E demonstrou toda a sua ingratidão quando “esqueceu” que foi secretário geral desse mesmo partido, na direcção do Prof. Marcelo, por sugestão do Dr. Menezes.

O partido respeitou, o partido perdoou, o partido esqueceu. O partido foi igual a si mesmo: aberto, plural, condescendente, respeitador das regras democráticas e da alternância de protagonistas. Rio, também o é (igual a si mesmo), quando se acha acima dele, quando ostraciza candidatos a deputados, quando impõe a sua vontade às estruturas eleitas, quando não assume as responsabilidades por derrotas históricas, quando gere, como geriu, a crise dos professores ou do combustível, no miserável discurso após as legislativas, na incapacidade de censurar o autoritarismo do Presidente da Assembleia da República, na posição tomada a respeito das responsabilidades por Pedrógão ou no comprometido silêncio no nubloso processo de pagamento em massa das quotas..

Do costumeiro e tabescente seguidismo que muitos emprestam aos líderes (sejam eles quem forem, porque este empréstimo nunca é gracioso), a propósito da sua decisão de se manter na presidência do PSD, houve uma adjectivação que ecoou: “É preciso ter tomates!”. Lamento contrariar, mas os estiletes de língua raramente provêm da região subabdominal.

In casu, impõe-se a demonstração da apagogia. Erram, os usuários da expressão, quando confundem temeridade e topete com tomates.

Rio vale por si, é certo, mas também se esgota em si e consigo esgota o partido. Rio não percebeu as gentes do PSD. Rio não percebeu as regras de uma democracia que não a sua. E Rio não percebeu que Montenegro não é seu adversário. É candidato a suceder-lhe porque o seu ciclo terminou. E não como um 6, mas como um 10…

Talvez se lhe explicarmos em excel…