Já sabe que faliu uma das suas empresas? Sim, sua. Aliás, também era minha. Foi a Inapa. Não sabíamos, mas era de todos nós. Pertence, 45 % dela, à Parpública, a sociedade que gere os activos do Estado. “Distribuía papel” na Alemanha. Eis uma das marotices a que o nosso Estado se dedica quando não estamos a olhar. Era uma herança das nacionalizações de 1975, como aquelas chávenas que sobrevivem do serviço de chá de uma avó. Passaram cinquenta anos, duas revisões constitucionais, décadas de privatizações, mas o saco de cascalho que a revolução nos deixou ainda não está vazio. Já agora: em 1975, constou que até barbearias tinham sido nacionalizadas. Talvez valha a pena o leitor confirmar com o seu barbeiro se não é o Estado que lhe corta o cabelo.

A falência foi simples, como todas as falências. A empresa endividou-se. Precisou de dinheiro. Ninguém lhe emprestou. Pediu ao Estado, o maior accionista. Não seria a primeira vez que os nossos impostos entravam na empresa. Desta vez, o governo decidiu que não. O ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento fez muito bem em confirmar o parecer da Parpública. O ministro da Economia Pedro Reis esteve certíssimo quando explicou que era sua obrigação “proteger o dinheiro dos contribuintes”. Reclamam PCP e BE: perderam-se 200 postos de trabalho. Sim, mas não foi agora: foi quando a empresa deixou de ser viável. Mantê-los agora à custa do dinheiro de todos, só para evitar o desemprego, não era conservar postos de trabalho, mas criar rendas. Não é racional nem justo.

Também o governo anterior terá hesitado em fazer da Inapa outra Efacec ou uma TAP mais pequena. Não a achou uma “empresa estratégica”. Todo o contribuinte português devia sacar de uma pistola imaginária sempre que ouvisse a expressão “empresa estratégica”. No dicionário secreto da política portuguesa, uma “empresa estratégica” é uma empresa inviável, que custa ou vai custar um ror de dinheiro aos contribuintes, mas a que estão ligados demasiados interesses corporativos e políticos para que os governos tenham coragem de pôr termo ao desperdício. Porque insistem? Porque o Estado, no folclore primitivo da nossa política, é um fetiche que pode tudo: salvar empresas, ou mudar a sociedade. Para os mais crédulos, só o Estado sabe de “estratégia”, só o Estado produz “inclusão”.  Mas é como no feiticeiro de Oz: por detrás da cortina pomposa, o Estado são os políticos, e os políticos fazem constantemente más apostas, e criam mais vezes dependências viciosas e estigmatizantes do que verdadeira inclusão.

Qual a alternativa? O mercado. Sim, já sei que todos fomos ensinados desde pequeninos a ter muito medo do mercado, ainda mais do que das correntes de ar. Mas o “mercado” é a interacção entre nós todos. É verdade: nem todos somos óptimos ou bem-intencionados, mas por sermos muitos e diferentes, e a actuar em público, não prevalece tão facilmente o que só parece boa ideia a um ou apenas serve o interesse de dois ou três, como nos gabinetes do Estado. O mercado é como a democracia na política: é o pior meio de gerir uma economia, à excepção de todos os outros. Quando a interacção é livre e aberta, sem posições dominantes ou constrangimentos nocivos, é o modo mais eficaz de suscitar boas ideias e de as realizar. É também a maneira mais efectiva e sustentável de gerar as remunerações e a independência sem as quais não há inclusão social. Nada é tão estratégico e tão inclusivo como uma boa economia. Era essa que deveria ser a prioridade dos governantes: criar em Portugal uma boa economia, e não continuar a gerir os restos da herança de uma revolução do século passado.

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