Senhor Presidente, senhor Presidente da Assembleia, senhor Primeiro-Ministro, senhoras e senhores deputados, eis duas ou três pequenas coisas acerca do estado da nação, aos 880 anos de vida.

Aos 880 anos, Portugal é um país que preza a educação, investe nela, gosta de encher a boca com expressões como “a geração mais qualificada de sempre”. Gasta mais dinheiro por aluno no ensino público do que no privado. E, depois, assim que esse jovem se licencia e entra para o mercado de trabalho a ganhar, digamos, dois mil euros, passa imediatamente a tratá-lo como rico, privilegiado, tira-lhe todos os apoios e começa a persegui-lo com impostos.

Isto acontece de um dia para o outro. Gastamos milhares de milhões de euros a formar jovens que, no exacto momento em que poderiam começar a devolver ao país o que o país investiu neles, são obrigados a emigrar, se querem ter uma vida digna, a vida que sonharam, lhes foi prometida e que merecem. Vão enriquecer outros países, trabalhar em sectores de valor acrescentado, criar lá as suas famílias, ter lá os seus filhos.

O estado da nação é que o salário de entrada dos licenciados no mercado de trabalho é mais baixo do que era há 17 anos. Não é gralha. É mais baixo do que era em 2006. Em termos reais.

O estado da nação é que temos o sexto PIB per capita mais baixo da União Europeia. Um PIB que, se não estivesse artificialmente insuflado pelo exorbitante peso da receita fiscal, seria ainda mais baixo.

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O estado da nação é que, em 2024 ou mesmo ainda este ano, a Roménia, donde há 20 anos vinham imigrantes fazer os trabalhos que os portugueses não queriam, vai ultrapassar Portugal em PIB per capita.

O estado da nação, senhoras e senhores, é que o salário médio de um português não chega já para pagar sequer uma renda em Lisboa. São 1025 líquidos de salário médio, segundo o INE, e 750 euros de renda pelo t1 mais barato da capital, de acordo com um estudo recente. O mais barato! Imagine a qualidade do sítio. Não estamos a falar de pessoas sem emprego. Não estamos a falar de pessoas com rendimentos baixos. Estamos a dizer que, em média, uma pessoa que passa a sua vida a trabalhar em Portugal não tem dinheiro sequer para pagar uma habitação nas suas principais cidades. E falta tudo o resto: alimentação, vestuário, educação dos filhos, saúde.

O estado da nação é que, em 2023, só por muita coragem ou inconsciência se tem um filho em Portugal. Com que dinheiro? Em que casa? Para que futuro? E, antes de tudo, em que maternidade? A quantos quilómetros? Em que condições?

O estado da nação é que Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo. E vai continuar a envelhecer, por todas as razões expostas acima, e porque, no fundo, os responsáveis políticos se parecem estar nas tintas para este dado perfeitamente trágico. Afinal, são os idosos que votam e não os jovens que podiam estar revoltados por não terem lugar no seu próprio país. Esses, por definição, já cá não estão. Já não votam.

O estado da nação é que, enquanto os ministros metem os pés pelas mãos a tentar gerir bancos e companhias aéreas, e a agir como se fossem CEOs especializados contratados pelo povo, o Estado não é capaz sequer de cumprir as suas funções mais básicas: na saúde, na educação, na defesa. O número de pessoas sem médico de família disparou absolutamente sem controlo, três mil profissionais abandonam o SNS por ano, as escolas são constantemente fechadas devido às greves, as habilitações exigidas para dar aulas são cada vez mais baixas porque é cada vez mais difícil encontrar quem queira ser professor em Portugal. Neste Portugal. E, pela defesa, onde os negócios há muito se fazem das formas mais duvidosas, fica a falar o vergonhoso episódio do roubo das armas de Tancos ou o dos Leopard 2, que lá chegaram à Ucrânia, mas só depois de pedirmos aos ucranianos para aguentarem um bocadinho mais a guerra porque precisávamos de mandar vir umas peças.

O estado da nação é que tudo isto acontece enquanto o Estado continua a empregar cada vez mais funcionários públicos, já tendo batido o recorde da década, apesar de mais do que avisado para o peso da administração pública na despesa. E por isso, a cobrar mais impostos. E mais impostos. E mais impostos, a cada ano que passa.

O estado da nação é que o estado não tem noção.

O estado da nação é que as ruas das nossas cidades estão cada vez mais cheias de pessoas sem-abrigo.

O estado da nação é que a taxa de poupança dos portugueses caiu para o nível mais baixo de sempre: 0,24% – zero vírgula vinte e quatro por cento!. Era de 7,75% apenas um ano antes, o que já era historicamente baixo.

O estado da nação é que, há dois anos, Portugal perdeu o estatuto de “democracia plena” no índice anual da Economist e, desde então, ainda não o recuperou. Definem-nos como “uma democracia com falhas”, o que, convenhamos, é dizer o mínimo.

O estado da nação, em 2023, é que muita gente parece ter dinheiro para viver em Portugal, mas não os portugueses. E que isso não se resolve impedindo-os de arrendarem as suas casas; resolve-se ajudando-os a ganharem mais. Como todo o mundo parece ser capaz de fazer menos nós.

O estado da nação é que, quando deveríamos andar a discutir o impacto devastador que a automação e a inteligência artificial se preparam para ter no mundo do trabalho e nas nossas vidas em geral, andamos a falar de arrendamentos compulsivos e nacionalizações.

O estado da nação é que o peso do turismo é cada vez maior na economia, em vez de ser apenas um sector importante ao lado de outros, como é para França, Itália, Holanda, ou mesmo Espanha e tantos outros países europeus. Os empregos que criamos são aqui, para postos de baixas qualificações, e não para aquelas que tanto investimos a dar aos nossos filhos.

O estado da nação é que somos paupérrimos. E, por este caminho, seremos cada vez mais. Mais pobres, mais velhos, mais dependentes do Estado e da Europa, mais vulneráveis a qualquer crise. Económica, pandémica, climatérica, geopolítica – até a uma simples mudança do estado de alma dos fluxos turísticos.

O estado da nação, embora o senhor Primeiro-Ministro, as senhoras e senhores ministros, deputados e comentadores próximos do partido do governo vão passar o dia a negar e a falar de “crescimento económico” e a culpar a oposição, os “comentadores” e a “conjuntura”, é este e é deprimente, ameaçador e potencialmente crónico.

E não é fado, nem é sina, nem foi Deus que nos trouxe aqui. Foram “eles”. Fomos nós.