“Pode-se enganar a todos por algum tempo, pode-se enganar alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos todo o tempo”. Esta frase, atribuída a Abraham Lincoln, traduz bem a fórmula que António Costa encontrou para governar o país. O regresso do PS ao poder assentou, essencialmente, numa premissa: “a viragem da página da austeridade”. Este virar de página consistiria em devolver aos funcionários públicos e pensionistas os rendimentos perdidos com a Troika, reverter a política de privatizações do governo PSD/CDS, sobretudo nos transportes, e “salvar” a saúde e a educação da deriva neoliberal da anterior maioria. O PS não ganhou as eleições de 2015, ou seja, todas estas promessas não foram suficientes para convencer uma ampla maioria de portugueses a dar uma vitória ao partido Socialista, que chegaria ao poder com a ajuda inestimável de PCP e BE.
António Costa governa há 7 anos, e se, no início da sua governação, foi possível, sobretudo através do silêncio de BE e PCP, comprometidos que estavam com a governação, esconder as debilidades e a ausência de rumo do governo, hoje estas estão à vista de todos. Se no início foi fácil descongelar carreiras e voltar ao regime das 35 horas semanais para (alguns) funcionários públicos, o que hoje temos são aumentos salariais muito abaixo da inflação que se traduzem numa perda real de poder de compra. Se no início da governação foi fácil apelar ao sentimento patriótico dos portugueses, fazendo com que a nacionalização da TAP e a reversão da subconcessão dos transportes públicos de Lisboa e Porto fosse encarada como um desígnio nacional, o que hoje temos é uma sucessão de escândalos e casos mal explicados na TAP e o caos no transporte ferroviário na área da grande Lisboa. Se no início foi fácil apontar os problemas que existiam na saúde e na educação, o que temos hoje é uma oferta do serviço público cada vez mais degradada nestas áreas, onde os interesses dos doentes e dos alunos são cada vez mais secundarizados e sacrificados, ficando reféns de lutas que na verdade não lhes dizem respeito e onde são, claramente, os principais prejudicados.
No início da sua governação, os socialistas fizeram pouco dos que avisavam que esta forma de governar, baseada em facilitismo e completamente despreocupada em criar valor e fazer crescer a economia, levaria a um beco sem saída. No início, os que avisaram que este caminho levaria ao empobrecimento e à degradação dos serviços públicos foram apelidados de “pessimistas”, hoje existem milhares de “pessimistas” na rua para os quais o milagre da “viragem da página de austeridade” tarda em chegar.
O acordo obtido nos Açores, que permitiu acabar com décadas de governo PS no arquipélago, foi recentemente denunciado pelo deputado da Iniciativa Liberal e por um deputado ex-Chega. Não me cabe a mim, que vivo no Continente, saber se o acordo estava a ser cumprido ou não, limito-me a constatar que em Janeiro, na convenção da IL, ouvi o deputado Nuno Barata defender acerrimamente as conquistas que esse acordo trouxe aos açoreanos. É com estranheza que agora ouço dizer que afinal o acordo não estava a ser cumprido e as perguntas que temos de fazer ao deputado Nuno Barata e à Comissão Executiva da IL são as seguintes: desde quando é que o acordo deixou de ser cumprido? E em que parte não foi cumprido? Porque é que nunca ninguém falou anteriormente sobre esta quebra de acordo? Se o PS apresentar uma moção de censura ou o PSD uma moção de confiança, como vota a IL?
Repito, não sei se o acordo estaria a ser cumprido ou não, sei o que ouvi da boca do Nuno Barata na Convenção, o acordo estava a melhorar a vida dos açoreanos, e lamento que tenha chegado ao fim.
Mais do que um acordo, os Açores eram um exemplo de que as forças não socialistas conseguiam entender-se, colocando de lado as suas diferenças em nome de um bem maior, a melhoria de vida das populações. O fim desse acordo terá consequências imprevisíveis, mas se daí resultar o regresso do PS ao poder nos Açores ou a manutenção do PS no governo do país, nesse caso, todos temos que fazer uma reflexão profunda e tirar as devidas consequências. Eu, definitivamente, tirarei as minhas.