Se recuarmos ao início deste século, a estratégia das linhas vermelhas contra a direita populista ou radical começou em França. Vale a pena recordar. Sob pressão das esquerdas, o líder das direitas moderadas, Jacques Chirac, impôs as linhas vermelhas à Frente Nacional, ainda liderada por Jean Marie Le Pen. Isso valeu quase 80% dos votos nas presidenciais de 2002, com os socialistas a votarem em Chirac unidos na famosa frente republicana. Os líderes seguintes dos Republicanos, como Sarkozy, continuaram a política das linhas vermelhas. A estratégia da frente republicana foi seguida por todos nas eleições presidenciais e nas eleições legislativas, com os republicanos e os socialistas a apoiarem-se mutuamente nos círculos eleitorais onde um candidato da Frente Nacional fosse à segunda volta. A estratégia parecia funcionar até 2017.
A estratégia das linhas vermelhas começou a fracassar quando a Frente Nacional ultrapassou os Republicanos como o maior partido entre as direitas. Em 2017, Marine Le Pen foi à segunda volta das eleições presidenciais contra Macron, tal como em 2022. A partir do momento em que a Frente Nacional ultrapassou os Republicanos iniciou igualmente um processo de moderação. Atacou muitas das políticas mais radicais de Jean Marie Le Pen, deixou de ser contra a União Europeia e contra o euro, e mudou de nome para Coligação nacional. Nas últimas eleições legislativas, igualmente em 2022, também ultrapassou os Republicanos no parlamento francês.
Agora nas últimas eleições europeias, a Coligação nacional tornou-se no partido mais votado em França, o que levou Macron a dissolver a Assembleia Nacional e a marcar eleições parlamentares antecipadas. Macron percebeu o óbvio: a estratégia das linhas vermelhas fracassou e só pode ser salva pelo eleitorado francês. Por isso, devolveu a palavra aos eleitores. Os franceses vão agora decidir se estão preparados para eleger a Coligação Nacional de Marine Le Pen para o governo ou não.
Macron, obviamente, arriscou. Mas, por vezes, na política, é necessário arriscar. Não há alternativa. Há agora dois cenários. O primeiro será a vitória do partido de Macron. Isso significaria que uma grande maioria dos eleitores franceses pretende manter a Coligação Nacional fora do poder. É o cenário menos provável. O segundo cenário será a vitória da Coligação Nacional. Será muito difícil ganhar com maioria absoluta, mas muito possivelmente ganhará com maioria relativa. Estou convencido que nesse caso, Macron reconhecerá o fim da estratégia das linhas vermelhas e convidará o partido de Le Pen para formar governo.
Mais estou convencido que Macron impedirá o seu partido de se juntar a todos os outros para derrubar o governo minoritário da Coligação Nacional. Com o fim das linhas vermelhas, só resta integrar a direita populista e radical no sistema político e permitir que governe para ser avaliada pelo eleitorado pelo que faz e não apenas pelo que promete. E a tarefa de um governo do partido de Le Pen será tudo menos fácil: será um governo minoritário, fraco e dependente de Macron.
Macron prefere um governo minoritário da Coligação Nacional a uma aliança entre todos contra Le Pen, a tal frente republicana. Isso abriria as portas do Eliseu a Marine Le Pen em 2027. Macron prefere governar com a Coligação nacional do que deixar Marine Le Pen no seu lugar de Presidente de França.
Macron escolheu, se for necessário, dar responsabilidades políticas à direita populista antes de a deixar ser a força política dominante em França. A direita em Portugal, especialmente aquela que continua a defender as linhas vermelhas em relação ao Chega, deve olhar com muita atenção para França. E tentar, desta vez, aprender alguma coisa, já que não aprendeu nada com Meloni em Itália.
PS: Mesmo sem ganhar, as eleições europeias correram bem ao governo e a Montenegro. A questão decisiva era a seguinte: depois das eleições europeias as hipóteses de eleições no início do próximo ano aumentaram ou diminuíram? Diminuíram, por isso foram boas para o governo. Tem hoje mais hipóteses de governar durante três anos do que tinha antes de domingo passado.