Na sequência do meu artigo anterior sobre o colapso dos serviços públicos em Portugal, creio que vale a pena dedicar alguma atenção adicional ao sector da educação. Uma reflexão cuja oportunidade foi parcialmente motivada pelo caricato episódio dos dados imprecisos sobre a anunciada redução de 90% no número de alunos sem aulas a uma disciplina no ensino estatal. O Ministro da Educação Fernando Alexandre veio assumir publicamente o erro nos números de alunos sem aulas, lamentando ter indicado essa informação. .
Se por um lado a admissão pública rápida, clara e inequívoca do erro abona a favor do carácter e seriedade de Fernando Alexandre, por outro este episódio levanta sérias questões sobre a forma como são formuladas, implementadas e avaliadas as políticas públicas – neste caso de educação – em Portugal. Se o Ministro não consegue ter estatísticas fiáveis sobre algo aparentemente tão simples como o número de alunos sem aulas a uma disciplina nas escolas estatais, é caso para perguntar como será possível gerir de forma minimamente eficaz e eficiente o sistema estatal de ensino.
A estes notórios problemas da fiabilidade da informação disponível para as políticas públicas de educação somam-se uma longa série de outros bem conhecidos, entre os quais: falta de professores, excesso de burocracia, instalações frequentemente degradadas, situações de indisciplina e violência sistémica em algumas escolas e captura do sistema ao serviço de agendas ideológicas radicais. O resultado na educação – bastante à semelhança do que se passa na saúde, aliás – é que a oferta privada vai prosperando: não tanto por conseguir resultados extraordinários mas simplesmente porque a oferta estatal na educação funciona em vários contextos tão mal que todos quantos podem fogem dela.
Não obstante a existência de muitos profissionais competentes e dedicados em escolas estatais, importa reconhecer que o problema é bem mais profundo. É preciso assumir que o actual modelo estatista e centralizador na educação está esgotado e dar espaço e liberdade às famílias para se organizarem. Insistir em “gerir melhor” um modelo de tipo soviético só agravará os problemas, por mais estimável que seja a equipa ministerial (e no caso da actual acho que é mesmo, não obstante deva fazer o disclaimer de conhecer Fernando Alexandre há muitos anos – e dele ter óptima impressão intelectual e profissional – e de ser amigo de Alexandre Homem Cristo – cujas qualidades reconheço e aprecio para além da referida amizade).
Tanto os problemas de organização e gestão próprios de uma estrutura centralizada de tipo soviético como os problemas de captura e instrumentalização política e ideológica da escola vão muito para além do que é possível resolver meramente com princípios de regular “boa gestão”. Como bem assinalou recentemente Margarida Bentes Penedo:
“No Portugal de hoje, o totalitarismo está na esquerda. É público e notório que o Ministério da Educação está capturado há décadas pelo PCP. E também, mais recentemente, pelo Bloco, através dessas “plataformas” e “colectivos” das “causas”. Independentemente do ministro que em cada momento veste o fato, o Ministério da Educação é um organismo autónomo e com vida própria. Um Estado dentro do Estado.”
O período em que Nuno Crato foi ministro da Educação e Ciência providenciou uma excelente ilustração de como o Ministério que tutelou (ou pelo menos tentou tutelar) é de facto um organismo autónomo e com vida própria e se constitui como um verdadeiro Estado dentro do Estado. Crato é a prova de que se pode ser superiormente inteligente, ter boas intenções, energia, coragem e ainda assim acabar rapidamente devorado pela máquina do Ministério.
O caminho para mudanças estruturais deverá passar por descentralizar seriamente e introduzir (muito) maior concorrência e autonomia no sector da educação. Como bem realçou Mário Pinto:
“É preciso recordar e enfatizar que a defesa da autonomia das escolas tem um fundamento democrático indiscutível, que é o dos direitos constitucionais das pessoas humanas que nelas exercitam as suas liberdades de aprender e de ensinar. Sem dúvida, a autonomia das escolas públicas pode ser justificada com base no «princípio da descentralização democrática da administração pública», consagrado no art. 6.º da Constituição como «princípio fundamental», que tão ofendido tem vindo a ser pelo centralismo socialista. Alguma coisa se tem feito, neste sentido, mas pouco e só em alguns aspectos materiais e práticos da chamada «administração escolar», que não têm prejudicado o controlo centralista do ensino, nas suas componentes científica, pedagógica e de avaliação, essenciais para as liberdades.”
Um caminho que pode ter diversas variantes que devem ser discutidas – desde uma municipalização séria e abrangente até à liberdade de escolha das famílias para seleccionar a escola para os seus filhos independentemente da sua natureza estatal ou não – mas que exige atacar frontalmente o controlo centralista do ensino e revitalizar a liberdade de educação.