António Costa e amigos têm razão: os portugueses não estão preocupados com a corrupção, estão preocupados com as condições de vida.

Isto significa que, excepcionalmente, o Governo é influenciado por um cientista social que não está ligado ao ISCTE. Trata-se de Abraham Maslow, o psicólogo que, em 1943, apresentou ao mundo a célebre hierarquia das necessidades.

Resumindo mal-enjorcadamente o artigo da Wikipédia, a hierarquia – representada por uma pirâmide – ordena as necessidades humanas consoante a urgência com que têm de ser satisfeitas antes de se passar ao estágio seguinte de necessidades. Na base estão as necessidades fisiológicas como a alimentação, abrigo, sono, vestuário. Quando estão resolvidas, passa-se ao patamar da segurança física, sua e da família. Depois, as necessidades sociais, de pertença e de relacionamentos afectuosos. Segue-se a auto-estima, o estatuto social, com o respeito dos outros e pelos outros. Finalmente, as necessidades de realização pessoal, em que são tidos em conta imperativos morais. É uma evolução por etapas. Elucidado, leitor? Acredito que não. Eu próprio não estou lá muito, apesar de ter lido o artigo 7 vezes.

O que interessa é que Costa também leu e percebeu. Por isso é que tem tanta certeza que os portugueses se borrifam na corrupção. Essa preocupação ética é uma necessidade do topo da pirâmide. Para lá chegar é preciso primeiro suprirem-se as necessidades fisiológicas básicas da larica, habitação, saúde e educação para os filhos. E Costa sabe que essas estão longe de estar resolvidas. A governar há 8 anos, se quisesse subir um ou dois níveis na pirâmide das necessidades dos portugueses, já o tinha feito. Digamos que se Costa fosse um empreiteiro egípcio há 4500 anos, os turistas de hoje iam a Gizé visitar a esfinge e 3 grandes degraus, porque as pirâmides nunca teriam sido completadas.

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De estômago vazio, com os filhos em casa por causa das greves na escola – enquanto têm casa, claro – e na longa lista de espera para uma consulta, as pessoas querem lá saber que o secretário de Estado Capitão Ferreira tenha embolsado e dado a embolsar. Na frase “Capitão Ferreira tomou-nos a todos por patos”, um português lê “patos” e já não consegue pensar em mais nada além da vaga memória da última vez que teve a sorte de comer um arroz de pato. Por alguma razão, nos menus dos restaurantes o arroz de pato é sempre “à antiga”.

Quem também não liga à corrupção são os yanomami da Amazónia. Uns índios muito pouco preocupados com a falta de ética dos políticos na gestão da coisa pública em Brasília. Têm outros temas na agenda. Primeiro, é preciso caçar tupiramás e descobrir ninhos de térmitas para o almoço. A seguir, consertar o telhado da palhota. Só depois, então, é que se dão ao luxo de caçar tupiramás e descobrir ninhos de térmitas para o jantar.

Para António Costa, somos os yanomami da Europa. “As pessoas querem saber das suas condições de vida, não é das condições devidas a corruptos”. “Não se aborrecem com o que o subornado recebe, mas sim com o sub-ordenado que recebem”. “Preocupam-se com aquilo que deixam de comprar, não com aqueles que se deixam comprar”. “Não se irritam com as luvas dos políticos, irritam-se com as luvas que têm de usar em casa por causa do frio”. “Marimbam na comissão que o vereador recebe, mas choram com a comissão que o banco cobra”.

Quando Costa garante que isto é o que lhe dizem “as pessoas na rua”, não está a mentir. Está apenas a comer mais sílabas do que costuma fazer. Quem lhe diz estas coisas são “as pessoas que têm medo de para a semana estarem a dormir na rua”.