Depois de dois meses fechados em 2021, a somar aos meses fechados em 2020, os jardins de infância e as escolas do 1º Ciclo voltam a abrir portas esta semana.

É uma boa notícia na qual muitas vozes credenciadas insistiram, destacando a importância de as crianças mais pequenas serem as primeiras a regressar ao regime presencial.

A explicação é multifatorial. Se, por um lado, estes são os alunos que têm um maior horizonte de aprendizagem e recuperação à sua frente (estão no princípio de uma escolaridade obrigatória que as levará até, pelo menos, aos 18 anos), por outro, tratam-se de anos cruciais na capacidade de apreensão de conceitos estruturantes, a autonomia é reduzida nesses percursos de aprendizagem e o contacto com os educadores e outras crianças é fundamental para o desenvolvimento psicomotor de competências básicas. Para além disto, este grupo tem um enorme impacto no funcionamento em sociedade (força e esforça os pais no acompanhamento) e, simultaneamente, apresenta um menor risco de contagiosidade comunitária.

Neste artigo deixo intencionalmente de parte as questões de segurança na saúde, para que nos possamos concentrar na questão da aprendizagem propriamente dita e, especificamente, nos alunos que estão no 1º Ciclo – cerca de 393 mil.

Muito antes de haver uma pandemia já se conhecia a realidade – difícil de aceitar – do insucesso escolar nestes primeiros quatro anos de escola. Segundo o Conselho Nacional de Educação:

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  1. No 1º Ciclo, em 2019, a taxa de retenção e desistência foi de 2,1% (2,3% no ensino público e 0,7% no ensino privado), com uma tendência decrescente desde 2014;
  2. O 2º ano de escolaridade, ano em que pela primeira vez é permitida a retenção, continua a ser o que apresenta a percentagem mais elevada de alunos naquele ciclo que não transita para o ano de escolaridade seguinte (4,9%), sendo um dos valores mais altos de todo o ensino básico;
  3. Ao final do 4º ano, há 17% de alunos que tem um ano de desvio em relação à idade ideal e 4% que tem 2 ou mais anos de desvio.

Ou seja, os dados do insucesso escolar no 1º. Ciclo e, concretamente, logo no 2.º ano, são sobejamente conhecidos por todos e há muito tempo. São valores preocupantes que significam que, em dois anos de escola, há muitas crianças às quais não está a ser garantido, no século XXI, o básico que lhes devemos e prometemos: aprender a ler e a escrever.

A distribuição geográfica deste insucesso é também ela conhecida, sabe-se ser assimétrica e persistente em algumas regiões do país. Mais, até 2015 – último ano em que temos uma linha cronológica de resultados nacionais em provas de aferição ou exames – sabia-se até em que escolas a situação era mais grave.

Por exemplo, em 2015, mais de um quarto das escolas do 1.º Ciclo (27,45%) teve média negativa nos exames de Português e Matemática realizados pelos alunos do 4.º ano de escolaridade. Saber quais eram estas escolas era relevante não para “castigar”, mas para, em benefício dos alunos, explicar e ajudar a inverter os resultados – que, à falta de uma ação focada, só tenderão a agravar-se ao longo dos anos do ensino obrigatório.

(Parêntesis para explicar que falar nisto, i.e., em rankings, é o equivalente a proferir uma blasfémia de “direita”, que enche qualquer caixa de comentários. O paradoxo, no entanto, é que a “esquerda” olha apenas para o topo para fazer o argumento político de” classe” ou de “seletividade” e raramente se detém no fundo da tabela, onde efetivamente está a desigualdade a combater e o trabalho por fazer).

Portanto, se já havia insucesso preocupante no 1º ciclo, parece ser consensual, embora não haja ainda dados concretos para Portugal, que com a pandemia a situação se adensou nos seus termos e consequências, como se pode ler aqui no que respeita ao aumento do risco de abandono, aqui sobre a crise sistémica na educação e aqui na avaliação dos impactos económicos a prazo.

Se a palavra de ordem é “recuperação”, então reabrir as escolas do 1º Ciclo e simplesmente retomar as aulas não é suficiente. Mas há vários caminhos a explorar e concretizar, uns alternativos outros cumulativos.

O primeiro e mais importante, já foi desenvolvido no estudo “Aprender a ler e a escrever em Portugal”, coordenado pela Prof.ª Maria de Lurdes Rodrigues, em 2017.

Parte da premissa, já enunciada aqui que «“o que explica o fenómeno da repetência precoce são, em primeiro lugar, as dificuldades de aprendizagem da leitura”. E acrescenta, que a segunda razão é a “naturalização destas dificuldades, ou seja, a convicção partilhada nas escolas do insucesso de que ‘as crianças são diferentes, e sempre haverá crianças que não aprendem ou que aprendem mais lentamente’”. E que a tudo isto acresce o facto de muitas escolas não terem nem condições nem recursos para compensar e contrariar as desigualdades do contexto socioeconómico das nossas crianças.». Daqui o estudo sugere várias estratégias a desenvolver no espaço da autonomia de cada escola.

O segundo prende-se com apoios de curto prazo, como sejam créditos horários (ou seja, horas de trabalho adicional que a escola é livre de contratar, seja de professores, seja de psicólogos, seja do que bem entender), condicionados aos resultados escolares. Uma forma de contrato entre a tutela e escola, que obriga a segunda a ter de prosseguir objetivos para justificar o investimento acrescido. Já foi experimentado e sabe-se que, na generalidade, resulta.

O terceiro caminho tem que ver com o calendário do próximo ano letivo, considerando a sua extensão – começando mais cedo, em setembro? Só com aulas de recuperação para quem precisar? Mas também aproveitando esse tempo para concretizar a educação não formal e a interdisciplinaridade, através da aproximação da escola ao património e atividade cultural das suas regiões – por seu turno, tão necessitado de público.

A quarta via, mais demorada nos seus efeitos, mas crítica no seu impacto, é relativa à formação e seleção de professores.

Há cerca de 30 mil professores no 1º Ciclo, 37% dos quais tem mais de 50 anos. E se é previsível a saída de muitos docentes nos próximos anos, é já real a diminuição da procura dos cursos da área da Educação, com o consequente decréscimo da oferta. As notas de ingresso nesses cursos são também das mais baixas, sobretudo quando se analisa a evolução das classificações mínimas mais baixas de ingresso ao longo da década.

Haverá que atrair novos professores, e desenvolver uma formação inicial exigente e atualizada. Na minha opinião, no sentido oposto ao que recomenda o Conselho Nacional de Educação: “Da Deliberação n.º 40/2015, de 12 de janeiro, decorre, por exemplo, a obrigatoriedade de uma prova de Matemática do ensino secundário, o que condiciona a candidatura/entrada de estudantes oriundos das áreas artísticas e das humanidades nos cursos de formação inicial de educadores de infância e de professores do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Reconhecendo a necessidade de uma formação sólida em Matemática para quantos iniciam as crianças na aprendizagem desta disciplina, verifica-se que, o que os alunos aprendem no ensino secundário, não é a Matemática que vão ter de aprofundar a nível superior para serem futuros professores.”

Estas são apenas pistas para um problema que não se mede – ainda bem! – em fatalidades, mas que também por isso se dilui nas emergências da política pública de cada dia.

A pandemia, sobretudo nos seus meses de pico, levou-nos ao imperativo de proteger os mais velhos, mais vulneráveis à Covid. A vacinação, que se espera e deseja que ganhe maior celeridade, trará para esses a solução.

Abre-se o tempo de cuidar de outros grupos de outros riscos. Agora, o imperativo é o de cuidar do futuro dos mais novos.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.