Quase ninguém falou, em Portugal, de Darren Osborne, o homem de Londres. Percebe-se, é claro. A tragédia dos incêndios ocupou as cabeças todas. A das pessoas comuns, que se perguntaram e se vão continuar a perguntar como é que uma coisa assim foi possível e como foi possível uma tal impreparação e desorganização por parte do governo de António Costa. E a dos oportunistas máximos, os apoiantes desse mesmo governo, que deram as voltinhas todas, Maduros da nossa Venezuela lusitana, para preservar o governo que lhes dá poder e satisfação de interesses.

O exercício do Bloco de Esquerda, essa extraordinária entidade que o inenarrável Costa abraçou para ser primeiro-ministro, foi exemplar. Mariana Mortágua, no Jornal de Notícias, lembou-nos sobriamente que “a natureza é caprichosa e cruel, sempre foi”. Tais predicados, vindos de quem vêm, surpreendem. A natureza, que agora descobrimos ser dotada de intenções, costuma, na boca de Mariana, ser indefesa vítima de uma longa série de criminosos, sendo o actual máximo responsável do seu sofrimento o inevitável Donald Trump. Hoje não: é cruel e caprichosa. E à sua crueldade e capricho, como responder? Com tempo, diz ela, deixando passar o choque. “O tempo é bom conselheiro, o choque não.” É preciso compreender, e compreender, escreve transparentemente Mariana, não significa “encontrar culpados”.

O mentor político de Mortágua, Francisco Louçã, fala, no Público, da “montanha russa das alterações climáticas” e de Assunção Cristas. São os culpados aparentemente designáveis da catástrofe. E dá-lhe para o existencialismo, lamentando-se da condição humana: “Maldito Sísifo, nem sequer conseguimos por uma vez voltar ao cimo da montanha para parecer que se fez alguma coisa”. É bonito ver um espírito poderoso a reflectir. Aos olhos de Catarina Martins, na Assembleia da República, a dita “montanha russa”, que ela ignora por inteiro o que seja, também é responsável. Ou ouvi mal ou Carlos César, o conhecido amigo da sua família, defende tese idêntica, com idêntica ignorância. O “aquecimento global” hoje em dia dá para tudo. Até para proteger o débil Costa. Uma palavra? Vileza.

Mas voltemos a Darren Osborne, o homem de Londres. Um homem de quarenta e sete anos, dizem os amigos e a família, complexo e torturado, medicamente tratado por problemas mentais, capaz de grande violência quando bebia demais, o que lhe acontecia frequentemente. Depois do último atentado terrorista em Londres desenvolveu um particular ódio em relação aos muçulmanos. Bêbado, meteu-se numa carrinha, fez o trajecto de Cardiff a Londres e dirigiu-se à capital do “Londonistão”, a mesquita de Finsbury Park, cavalgando sobre o passeio, matando um homem e ferindo outros onze. “Vou matar todos os muçulmanos – fiz a minha parte”, consta que gritou. A mãe, ao saber da atrocidade (palavra dela), fez questão de dizer que o crime não tinha defesa, mas que o filho não era um terrorista.

Provavelmente a mãe tem razão. O terrorismo supõe sempre uma motivação ideológica, um corpo de ideias que justifique o crime. Darren Osborne não possuía, aparentemente, um corpo de ideias qualquer, apenas uma vontade indiscriminada de vingança. Um crime de ódio? Sem dúvida. Mas isso não chega para fazer dele o sinal de uma “islamofobia” em tudo simétrica do terrorismo islâmico. Que haja gente assim, em Inglaterra ou noutro qualquer lugar, é óbvio. Que haja pastagens onde o racismo cresça, é certo e seguro. Mas nem em Inglaterra nem na maioria dos países europeus esse é o clima geral. O que, dadas as circunstâncias, diz muito bem de nós.

Resta que a probabilidade de aparecer por aí um outro Darren Osborne, com um nome que pode muito bem ser francês ou alemão, é imensa. Indivíduos desiquilibrados, habitados pelo sentimento que o Estado deixou de os proteger e que é necessário fazer justiça pelas próprias mãos, aparecerão sem dúvida aqui e ali. Tudo conspira para que assim seja. Os bons costumes políticos usam e abusam da litania “não nos dividirão”. Mas o homem de Londres mostrou que essa divisão já está aí, como quase fatalmente tinha de estar, e para muita gente Darren Osborne arrisca-se a aparecer não como um pária mas como um herói. O terrorismo islâmico já conseguiu isso, diga-se o que se disser.

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